AVISO: impossível não ter SPOILERS

Como matar o protagonista faltando ainda tantos episódios para o fim de uma série? De cabeça, lembro de Ned Stark (Sean Bean) sendo decapitado no penúltimo capítulo da primeira temporada de “Game of Thrones”. Impossível evitar a sensação de desorientação sem exatamente saber o que esperar do futuro. E “Succession” o fez de uma forma brilhante em “O Casamento de Connor”, de longe, os melhores 60 minutos da série da HBO e que arrisco dizer capaz de definitivamente imortalizá-la como uma das maiores de todos os tempos.  

Curioso como a morte parecia o único caminho possível para Logan (Brian Cox, saudades de ti já) abrir mão do poder e para que, finalmente, ocorresse a tal sucessão do título da série. Afinal, até o último ato, o homem era uma fera, implacável nos negócios, a ponto de promover a traição entre os próprios filhos e colocar Roman (Kieran Culkin) em uma situação para lá de desconfortável ao ter que ser obrigado a demitir Gerri (J. Smith-Cameron).  

Por outro lado, a pergunta inicial do texto se junta à grandeza de Logan: ao longo de quatro temporadas, o magnata foi o centro gravitacional de tudo e todos. Onde havia riqueza, intrigas, duelos, traições, abusos, medo, ódio e, claro, (muito) dinheiro estava o personagem de Brian Cox. Logo, fica impossível acreditar que a fala baixa de Tom (Matthew Macfadyen, incrível ao expressar toda a incredulidade dentro e fora da tela) significava realmente aquilo que ele dizia.   

Responsável pelo bom “O Menu” e episódios históricos de “Game of Thrones”, o diretor Mark Mylod sabe muito bem disso e manipula com toques geniais esta angústia ao não revelar de cara o que está acontecendo. Atire a primeira pedra quem achou não ser um jogo de Logan para martirizar os filhos, esporte favorito dele. Aos poucos, entretanto, com a expressão assustada de Tom e uma massagista cardíaca em atividade aparecendo de soslaio no fundo do quadro, começamos a assimilar que era possível algo sério ter ocorrido. Mas, com Logan? “Até parece, talvez com alguém do voo”, pensei. Somente em um breve take que vemos a silhueta do empresário é que a ficha realmente cai.  

RARA UNIÃO GENUÍNA

Se para a gente já é difícil acreditar, imagine para Kendall (Jeremy Strong), Shiv (Sarah Snook) e Roman. Como disse na crítica do episódio anterior, havia uma dinâmica fascinante da família Roy: o estranho jeito de amar de todos ali era através das brigas e traições. No fim e apesar de tudo, eles se gostam – do jeito de cada um, mas, se gostam.  

“O Casamento de Connor” simbolizou bem isso ao vermos cada um deles se despedindo, a seu modo, do pai. Não surpreende que Roman evite aceitar a notícia e tente de todos os modos salvar Logan. O medo andava lado a lado da admiração e do desejo de ver o empresário ser um dia carinhoso com ele, algo nunca obtido. Já Shiv e Kendall são o conflito em pessoa: ambos carregam traumas incuráveis e fazem questão de citar isso no adeus e ainda assim, entre hesitações e choro, soltam o inevitável ‘mas, eu te amo’.   

Paralelo a isso, chama a atenção o cuidado de Kendall, Shiv e Roman um para com o outro. Se a aproximação deles se fez necessária por motivos econômicos desde o casamento da mãe e da negociação da venda da WayStar, a morte de Logan permite uma reconfiguração na própria dinâmica familiar.   

E “Succession” demonstra isso de forma implícita em dois momentos emocionantes: as mãos de Kendall e Shiv e o abraço dos três no aeroporto. Resta saber, porém, se a disputa pela sucessão os fará lembrar disso – provavelmente não. De qualquer modo, Strong, Snook e Culkin preparem seus discursos, pois, o Emmy estará pronto para servi-los.  

A VULNERABILIDADE DE CONNOR 

Por fim, o que dizer de Connor? O candidato republicano se mostra uma grata surpresa nesta última temporada: no meio de dinossauros que se xingam, traem um ao outro e vivem às turras, o personagem de Alan Ruck expõe uma sobriedade e, ao mesmo tempo, vulnerabilidade comoventes.   

Connor tem a consciência de que sempre foi visto como um fracasso pelo pai e fica perceptível como a morte dele acaba sendo a retirada de um fardo, fato especialmente simbólico por ocorrer no dia do casamento dele com Willa (Justine Lupe), o qual Logan nem sequer fez questão de comparecer (quem sabe não teria sobrevivido se lá estivesse?). A conversa com a futura esposa em que admite o medo de perdê-la por conta de ser um homem velho diante de uma mulher nova e cheia de vida se junta à guarda baixa de todos os irmãos naquele momento tão decisivo para todos em que a arrogância e prepotência saem de cena para trazer a humanidade que tanto falta a eles em muitos momentos.  

E como se não bastasse tudo isso, “Succession” não esquece da essência da série com os jogos de poder entre as diversas peças do tabuleiro. A preocupação de Tom em ser citado ao lado de Logan no momento derradeiro, a disputa por quem produzirá o comunicado à imprensa e quais os nomes a serem citados, a queda nas ações com a notícia da morte de Logan… Tudo isso em 60 minutos. Obra-prima!