Neste mundo, as aparências infelizmente possuem grande importância. Em Batman Begins (2005), Bruce Wayne retorna à sua empresa depois de anos sumido, mas acaba sendo bem recebido porque surge de terno, bem apessoado… A nova série da parceria Marvel/Netflix, Punho de Ferro, se inicia com uma situação semelhante: Danny Rand, herdeiro da família e das Empresas Rand, surge na sede da corporação em Nova York para retomar o seu lugar de direito ali. Mas ele bate à porta da empresa parecendo um mendigo, com cabelo desgrenhado, barbudo e com roupas sujas, e acaba sendo prontamente expulso do local. Essa cena demonstra a ingenuidade do personagem principal, e como o protagonista do seriado está distante do ideal super-heróico que nos acostumamos a ver.

Em todo o caso, essa cena inicial já fisga o espectador, e passamos a querer saber quem é Danny Rand. E este é, infelizmente, o maior pecado de Punho de Ferro: a série nunca responde direito a essa questão e toma a estranha opção narrativa de manter um mistério em torno do protagonista. Descobrimos ao longo da temporada que ele havia sido dado como morto ainda criança quando o avião dos seus pais caiu sobre os Himalaias; que ele foi treinado pelos monges de um lugar mágico chamado K’un-Lun, e que ele domina o poder do Punho de Ferro, uma super-energia concentrada na sua mão direita. Mas porque ele voltou à Nova York, e porque retomar a empresa é tão importante para ele… Essas questões, inacreditavelmente, não são respondidas a contento pelos roteiros.

Então, nos limitamos a acompanhar um protagonista com motivações nebulosas se esforçando para se assumir como herói. Afinal, sabemos que Danny vai fazer parte da série dos Defensores, a aguardada reunião dos “vingadores pé-no-chão da TV” que a Marvel e a Netflix lançarão ainda este ano. E infelizmente (de novo) a série dele sai em desvantagem se comparada às do Demolidor, da Jessica Jones e até à do Luke Cage – mesmo com seus problemas, no geral esta ainda é um pouco superior a Punho de Ferro.

Para começar, Punho de Ferro abusa dos clichês e da falta de imaginação. Há momentos de falsa encrenca (sério que alguém acredita que o herói pode morrer caindo do alto de um prédio no TERCEIRO episódio da temporada?), e tudo é previsível. Quando surge um novo personagem e ele parece suspeito… Sim, depois ele se mostra um vilão. Outro personagem tem problema com o pai? Bem, é claro que uma hora vai acontecer a grande cena dramática na qual eles se confrontam. Até os vilões são os mesmos que já vimos antes, a organização do Tentáculo, os ninjas sinistros que deram trabalho para o Demolidor na série dele.

Esses problemas poderiam ser minimizados se o protagonista fosse mais cativante. Porém, Finn Jones não se mostra um intérprete de força e presença suficientes para tal – talvez o primeiro tropeço de escalação de protagonista na história da Marvel? O ator, revelado por um papel em Game of Thrones, é simpático e nota-se que ele é esforçado – ele funciona bem, por exemplo, nos primeiros episódios, como um jovem descolado, o sujeito que vai trabalhar na grande corporação usando terno e tênis. Mas não tem o carisma para nos fazer investir realmente nele, e para piorar, em vários momentos passa a impressão de “fazer pose” nas cenas de ação, um problema grave numa série centrada num personagem que, em teoria, é um mestre das artes marciais – aliás, nenhuma cena de ação de Punho de Ferro é tão visceral e impressionante quanto às vistas em Demolidor. E para completar, Jones ainda é prejudicado pelos roteiros, que fazem do seu protagonista alguém com objetivos vagos e origem idem.

A série também apresenta alguns desenvolvimentos estranhos. O sexto episódio, uma sucessão de duelos de artes marciais para Danny dirigido pelo músico e cineasta RZA, é recheado dos mais batidos clichês dos filmes do gênero. E a Claire, interpretada por Rosario Dawson? Punho de Ferro consegue a proeza de torna-la aborrecida, o fato de ela ser um “imã” de super-heróis já começa a parecer ridículo, e em dado momento da temporada, quando os heróis resolvem dar um pulo na China, ela vai junto sem mais nem menos… A essa altura do “universo Marvel TV” a Claire já não tem mais vida, é basicamente uma ferramenta de roteiro.

Nem tudo é fraco em Punho de Ferro, porém. Há momentos de beleza plástica, como a cena do episódio 3 em que a câmera mostra o lençol branco da cama do herói se transformando na neve sobre a qual ele foi encontrado quando criança; e o elenco é esforçado e competente. Jessica Henwick, Tom Pelphrey e o veterano David Wenham, da trilogia O Senhor dos Anéis, se mostram interessados e seguram as barras de algumas coisas meio esdrúxulas que acontecem com seus personagens. E, verdade seja dita, Punho de Ferro tem um ritmo melhor que Luke Cage, funciona melhor como série de maratona. Pelo menos nela não se sente tempos mortos e a impressão de que nada acontece por alguns episódios, como em Luke Cage.

Aquela série, no entanto, acabava funcionando melhor por conceber e explorar o mundo do herói. Luke Cage tinha o seu mundo e uma benvinda dose de diversidade; Demolidor tinha um herói amargurado e explorava a fundo a sua psique; e Jessica Jones, além de explorar a psique da sua heroína, também apresentava um interessantíssimo e complexo dilema entre ela e o seu antagonista. Punho de Ferro peca por não trazer nada de novo, tanto do ponto de vista temático quanto dramático. Seu herói é zen: chega a ser engraçado como, nos primeiros episódios, ele é gentil com todo mundo e tem sempre uma pérola de sabedoria nos lábios. É um protagonista vago e sem complexidade, e que passa 13 episódios incerto do seu papel. Bruce Wayne, ao contrário, sempre teve plena ciência do seu, além de saber se vestir para a ocasião. No recente trailer do vindouro Liga da Justiça, o novo Batman de Ben Affleck diz que seu superpoder é “ser rico”. Em comparação, Danny Rand é rico, mas finge que é pobre; é magrinho, mas finge que é uma máquina de lutar; é indeciso, mas finge que é complexo e determinado. Aparências realmente importam…