“Viajar é a única educação”.
Inquieta, desafiadora e sagaz. Embora essas três palavras não sejam o suficiente para descrever Gloria Steinem, elas podem nos dar uma visão norteadora de uma das vozes do movimento feminista norte-americano. Jornalista e ativista social, ela vem atravessando gerações e colocando em pauta temas imprescindíveis para as mulheres tanto em aspecto geral como em questões mais específicas. A diretora Julie Taymor (“Frida”) aproveita esse engajamento para contar a história de Steinem e como ela ajudou a fomentar o movimento.
Em “The Glorias”, acompanhamos quatro versões da jornalista dentro de um ônibus que viaja ininterruptamente. Elas conversam sobre momentos importantes da sua trajetória e analisam como teriam lidado com esses assuntos se estivessem de fora, sem esquecer, no entanto, que tais escolhas as moldaram e levaram até ali. Cada uma delas representa o pensamento feminino ao longo do século XX, mas também, de certa forma, o esclarecimento da mulher sobre seu corpo e sua vida e, consequentemente, seu empoderamento.
As muitas faces de Gloria
Durante a infância, por exemplo, Gloria (Ryan Kiera Armstrong) parece alheia às dificuldades de sua família, apegando-se às fantasias do pai e distanciando-se das cargas que sua mãe carrega de ser o esteio familiar. Já na adolescência, interpretada por Lulu Wilson, ela consegue compreender os sacrifícios que a mãe fez em nome do lar, embora permaneça com um pé fora da realidade – o que fica nítido quando parece alheia a situação na barbearia.
É na vida adulta, porém, que Gloria, agora encarnada por Alicia Vikander, passa a compreender o peso de ser mulher na sociedade patriarcal. Em diálogo com seu eu mais velho, ela relembra os momentos em que se auto silenciou para o machismo. Curiosamente, é neste período que vê sua carreira como jornalista em ascensão, mas, constantemente sob os olhares e julgamentos masculinos. Tal situação acrescida de outras experiências narradas da vida social e, principalmente, trabalhista das mulheres, com quem interage, age como um somatório para que ela encontre refúgio no movimento feminista.
Esse acolhimento, contudo, é tido pelas três facetas na Glória mais madura e que passou por cada uma dessas vivências para que se tornasse a mulher icônica que conhecemos no movimento hoje. Julianne Moore a encarna de forma intimista, segura, forte e precisa; capaz de questionar o papel da mulher na sociedade e em sua profissão sem que as intempéries a desequilibrem.
Imagem e condução da trama
Todos esses momentos podem ser diferenciados pela fotografia de Rodrigo Pietro (“O Lobo de Wall Street”, “O Irlandês”) que consegue traduzir a plasticidade de Julie Taymor por meio do uso de filtros preto e branco para as cenas no ônibus e as cores vivas da trajetória da personalidade, dedicando a cada fase uma coloração diferente que casa com o estado de espírito da personagem. Há ainda os momentos surrealistas, nos quais a realidade fica em suspensão e assume um visual psicodélico, algo já experimentado pela diretora em “Across the Universe”.
Apesar disso, “The Glorias” poderia ser melhor executado. Em suas mais de duas horas de duração, existem cenas que não dizem nada, passando a sensação de que havia muito material a ser debatido, mas que não se soube aproveitar. Perdendo-se no meio da projeção, principalmente, quando a montagem não consegue alinhar-se a cronologia da produção.
Entre altos e baixos, contudo, Taymor narra a jornada de um dos ícones do movimento feminista com sensibilidade e sutileza em “The Glorias”. Uma viagem que não é apenas de Steinem, mas de todas as mulheres.