“Às vezes a vida te obriga a matar um tigre”. 

De forma geral, “To Kill a Tiger” é uma história dolorosa com imagens poeticamente interessantes. Um olhar mais aprofundado, no entanto, mostra que se trata do relato de busca de justiça e amor de um pai para com uma filha, vítima de estupro coletivo na Índia. A maneira como a diretora indiana Nisha Pahuja conta esta narrativa é incômoda, tornando-se, em determinados momentos, um verdadeiro soco no estômago. 

Durante a festa de casamento de um primo, em um vilarejo indiano, uma adolescente de 13 anos é estuprada e torturada por três homens — todos conhecidos seus e de seus pais. Contrariando o costume local, a família denuncia a situação à polícia e leva os condenados a julgamento; assim, enfrentam a resistência e oposição da comunidade a qual residem. 

Como o próprio documentário salienta, 90% dos crimes sexuais na Índia não são reportados, o que leva a população a enxergar a ocorrência como um caso raro, acentuando o quão indigesta é a discussão de “To Kill a Tiger”. 

OS EFEITOS DO TRAUMA

A partir dessa conjuntura, o documentário evidencia como a tragédia atinge as pessoas da mesma comunidade de formas diferentes, expõe ainda como a questão de gênero segue sendo um assunto delicado e negligenciado por uma parcela significativa da população devido a instauração do patriarcado. Parte do incômodo provocado se concentra justamente na visão repugnante de que os conselheiros tribais — estes pessoas escolhidas para auxiliar os indivíduos de seu grupo — carregam o que atesta as perspectivas sobre o corpo da mulher e o poder patriarcal, imprimindo a mensagem poderosa que o roteiro comporta. 

Apesar do pensamento retrógrado da comunidade, Pahuja se debruça em mostrar como a família, de maneira geral, é afetada também numa situação como essa. Uma das cenas mais emblemáticas da produção é quando pai e filha estão dando depoimento e ela conta que se entristece por ver o pai beber muito e ele revela que é a saída que encontrou para lidar com a sobrecarga que enfrenta. A filha se sente culpada e chora, o pai se compadece, mas segura-se para dar forças à filha. 

Uma das peças essenciais na construção do documentário é o pai da adolescente. Em uma cultura tão prejudicial as mulheres, ele se mostra como uma figura masculina preocupada, cuidadosa e amável. É a partir de seu ponto de vista que Pahuja detém os depoimentos que mais angustiam. Uma vez que o vemos se fragmentar enquanto luta por justiça, para ser escutado, respeitado e manter a sobrevivência financeira da família. Em determinado momento, ele afirma que “nunca será capaz de erguer a cabeça novamente”, mas isso não o impede de querer que a filha volte a fazer isso e tenha educação o suficiente para que possa conseguir defender-se. 

HEROÍSMO TANGÍVEL

Ao nos determos as questões mais técnicas da produção, a fotografia carrega um olhar poético, com planos detalhes que possibilitam nos aproximarmos dos personagens-chave, uso de sombras e escolha de cores quentes que remetem, em certo sentido, a cultura do país e a fase da vida da vítima que foi fragilizada e encerrada pela agressão. No entanto, “To Kill a Tiger” se prolonga e volta em questões que já havia discutido anteriormente, perdendo de certa forma a força e o simbolismo que o relato por si só possui. 

Sem dúvida, esta é uma história que não oferece respostas fáceis, mas expõe os tortuosos caminhos de quem busca justiça e denuncia o quão perigoso é a manutenção do patriarcado em culturas nas quais as mulheres seguem sem ter o direito à própria defesa. Ao escolher, contudo, acompanhar pai e filha nessa empreitada, a diretora acentua o heroísmo tangível de sobreviventes que se recusam a aceitar a vergonha imposta pelo sistema e o quanto o apoio familiar é o propulsor da revolução e da esperança.