Nos anos 1980, Eddie Murphy estrelou Um Príncipe em Nova York (1988), mas, na verdade, ele já fazia parte da realeza de Hollywood. Nessa década, o astro estrelava um sucesso atrás do outro, todos até hoje muito queridos e presentes na memória de inúmeros fãs de cinema. Claro, eles também funcionaram porque Murphy estava no auge dos seus poderes de gênio da comédia, capaz de fazer qualquer ser humano na Terra dar risadas. Curiosamente a sequência, Um Príncipe em Nova York 2, enfim, chega mediante lançamento no Amazon Prime, 33 anos depois, justo quando Murphy volta a recuperar um pouco da velha glória após o lançamento do ótimo Meu Nome é Dolemite (2019), no qual teve a atuação aclamada.

A seu favor, é necessário dizer que Murphy tentou realizar essa sequência várias vezes ao longo dos anos, mas, por um motivo ou outro, nunca dava certo. Porém, falando francamente, o astro bem que podia ter ignorado o apelo da nostalgia: continuações tardias quase nunca funcionam no cinema, e Um Príncipe em Nova York 2 não é exceção.

O primeiro filme, dirigido por John Landis – outro que também possuía muito talento para a comédia – tinha suas doses de humor pastelão e até baixaria, mas era, no fundo, uma história romântica com o príncipe Akeem, vivido por Murphy, viajando do seu país africano fictício de Zamunda até Nova York à procura do amor verdadeiro. A sequência começa com Akeem em paz em Zamunda até descobrir que, durante sua viagem a NY, ele acabou gerando um herdeiro antes de conhecer sua futura rainha – a revelação desse ponto da trama com direito a recriação digital de um dos momentos do original é a melhor deste segundo filme.

De acordo com a lei do país, só outro herdeiro homem pode assumir a sucessão do trono – embora Akeem tenha três filhas, mais do que capazes para a função. Por isso, ele viaja de novo aos EUA com seu escudeiro Sammi (Arsenio Hall) para buscar o herdeiro. O rapaz, Lavelle (Jermaine Fowler), é um pouco atrapalhado e tem parentes bem exagerados – Tracy Morgan faz o tio dele, e Leslie Jones a mãe. Todos voltam para Zamunda a fim de preparar o rapaz e proteger o trono de Akeem, que está sendo ameaçado pelo general Izzi (Wesley Snipes). E, claro, as confusões começam.

CARINHA DE FILME PARA TV

As melhores cenas de Um Príncipe em Nova York 2 se concentram mesmo nesse início do filme. É quando vemos um pouco do velho talento cômico de Murphy, voltamos a nos divertir com sua química com Hall – meio subutilizado no filme – e as participações especiais de James Earl Jones e Morgan Freeman arrancam alguns risos. O filme original foi responsável por iniciar a mania de Murphy de interpretar vários personagens com o auxílio de maquiagem e, novamente, ele volta a fazer isso aqui, acompanhado de Hall. O pessoal da barbearia, o reverendo e o astro da música soul Randy Watson, todos retornam, interpretados por Murphy ou Hall, e continuam engraçados.

Porém, quanto mais a história avança, mais fica claro que ela é pequena e boba demais para justificar fazer uma continuação do divertido longa original. Claro, é legal rever os atores do primeiro filme, 30 e poucos anos depois, e algumas referências, tanto aos anos 1980 quanto mais atuais – em dado momento, Zamunda é confundida com Wakanda, do filme Pantera Negra (2018), da Marvel. Mas não tarda e o longa começa a repetir algumas batidas do primeiro, com Lavelle descobrindo o verdadeiro amor, e a sua preparação não é assim tão divertida. Fowler, afinal, não tem o carisma de Murphy.

Visualmente, também, é um filme feio com aparência de produção para TV – embora inicialmente os planos fossem lançá-lo na tela grande. Parece uma produção barata e com uns efeitos em computação gráfica duvidosos, como na cena do leão. O diretor Craig Brewer, o mesmo de Meu Nome é Dolemite e escolhido pelo próprio Murphy para comandar o filme, não demonstra tanto traquejo desta vez: algumas piadas não têm timing, o ritmo do filme no meio fica muito frouxo e se torna quase um drama, e algumas interpretações ora são apáticas, ora muito exageradas. O próprio Akeem acaba virando coadjuvante da história em determinado pontno. Dentre os personagens novos, apenas Snipes funciona como o general antagonista, embora também exagere na dose em alguns momentos.

Um Príncipe em Nova York 2 até tenta recriar o clima e a diversão do original, mas não consegue se elevar acima do mero produto feito para despertar o interesse nostálgico da plateia. Não chega a ser um desastre total, afinal tem alguns poucos momentos divertidos, especialmente no seu início, e em alguns instantes ainda é possível perceber a força de Eddie Murphy e da sua dupla com Arsenio Hall, que nos deram a diversão ainda marcante do longa original. Mas é sem dúvida um filme insípido, igual a qualquer comédia da semana num streaming, do tipo que o espectador assiste, ri esparsamente e se esquece cerca de  dez minutos depois que ele acaba. Os anos 1980 foram muito bons para Murphy e a comédia hollywoodiana, mas não dá para viver só de nostalgia. O que não impedirá o astro e o estúdio de tentarem: Parece que vai vir por aí um novo Um Tira da Pesada…

CRÍTICA | ‘Deadpool & Wolverine’: filme careta fingindo ser ousado

Assistir “Deadpool & Wolverine” me fez lembrar da minha bisavó. Convivi com Dona Leontina, nascida no início do século XX antes mesmo do naufrágio do Titanic, até os meus 12, 13 anos. Minha brincadeira preferida com ela era soltar um sonoro palavrão do nada....

CRÍTICA | ‘O Sequestro do Papa’: monotonia domina história chocante da Igreja Católica

Marco Bellochio sempre foi um diretor de uma nota só. Isso não é necessariamente um problema, como Tom Jobim já nos ensinou. Pegue “O Monstro na Primeira Página”, de 1972, por exemplo: acusar o diretor de ser maniqueísta no seu modo de condenar as táticas...

CRÍTICA | ‘A Filha do Pescador’: a dura travessia pela reconexão dos afetos

Quanto vale o preço de um perdão, aceitação e redescoberta? Para Edgar De Luque Jácome bastam apenas 80 minutos. Estreando na direção, o colombiano submerge na relação entre pai e filha, preconceitos e destemperança em “A Filha do Pescador”. Totalmente ilhado no seu...

CRÍTICA | ‘Tudo em Família’: é ruim, mas, é bom

Adoro esse ofício de “crítico”, coloco em aspas porque me parece algo muito pomposo, quase elitista e não gosto de estar nesta posição. Encaro como um trabalho prazeroso, apesar das bombas que somos obrigados a ver e tentar elaborar algo que se aproveite. Em alguns...

CRÍTICA | ‘Megalópolis’: no cinema de Coppola, o fim é apenas um detalhe

Se ser artista é contrariar o tempo, quem melhor para falar sobre isso do que Francis Ford Coppola? É tentador não jogar a palavra “megalomaníaco” em um texto sobre "Megalópolis". Sim, é uma aliteração irresistível, mas que não arranha nem a superfície da reflexão de...

CRÍTICA | ‘Twisters’: senso de perigo cresce em sequência superior ao original

Quando, logo na primeira cena, um tornado começa a matar, um a um, a equipe de adolescentes metidos a cientistas comandada por Kate (Daisy Edgar-Jones) como um vilão de filme slasher, fica claro que estamos diante de algo diferente do “Twister” de 1996. Leia-se: um...

CRÍTICA | ‘In a Violent Nature’: tentativa (quase) boa de desconstrução do Slasher

O slasher é um dos subgêneros mais fáceis de se identificar dentro do cinema de terror. Caracterizado por um assassino geralmente mascarado que persegue e mata suas vítimas, frequentemente adolescentes ou jovens adultos, esses filmes seguem uma fórmula bem definida....

CRÍTICA | ‘MaXXXine’: mais estilo que substância

A atriz Mia Goth e o diretor Ti West estabeleceram uma daquelas parcerias especiais e incríveis do cinema quando fizeram X: A Marca da Morte (2021): o que era para ser um terror despretensioso que homenagearia o cinema slasher e também o seu primo mal visto, o pornô,...

CRÍTICA | ‘Salão de baile’: documentário enciclopédico sobre Ballroom transcende padrão pelo conteúdo

Documentários tradicionais e que se fazem de entrevistas alternadas com imagens de arquivo ou de preenchimento sobre o tema normalmente resultam em experiências repetitivas, monótonas e desinteressantes. Mas como a regra principal do cinema é: não tem regra. Salão de...

CRÍTICA | ‘Geração Ciborgue’ e a desconexão social de uma geração

Kai cria um implante externo na têmpora que permite, por vibrações e por uma conexão a sensores de órbita, “ouvir” cada raio cósmico e tempestade solar que atinge o planeta Terra. Ao seu lado, outros tem aparatos similares que permitem a conversão de cor em som. De...