Seja no cinema ou no teatro, não conhecer ‘Rent – Os Boêmios’ e muito menos ter se emocionado ao som de ‘Seasons of Love’ é algo extremamente difícil para quem gosta de musicais. A partir dessa prerrogativa, ‘Tick Tick… Boom!’ trata-se de uma grande homenagem a esse universo ao retratar o compositor Jonathan Larson, porém, o filme funciona também para o espectador que busca uma ótima história sobre sonhos, realidade, cobranças sociais, amizades, relacionamentos conturbados e tantos outros temas enfrentados por um adulto nos anos 1980 e 1990.   

Em sua estreia como diretor de longas-metragens, Lin-Manuel Miranda (“Hamilton”), figurinha carimbada no mundo de musicais, tem um grande êxito por cumprir seu principal objetivo: retratar Larson não apenas em uma fase de sua vida ou como ele deu início a um dos maiores musicais da Broadway, mas sim mostrar a mente do artista que expressava em músicas o mundo ao seu redor. 

DINAMISMO TOTAL 

“Tick, Tick… Boom” parte de um princípio norteador do próprio Larson – “como você mede a vida de uma mulher ou de um homem?” – presente logo no início da história. Para aqueles que não gostam de musicais por conta do cansaço atribuído ao excesso de músicas e performances, o longa dribla isso, pois, cada cena possui um apelo diferente, uma estética teatral muito dinâmica e fácil de ser acompanhada. 

Fica fácil compartilhar a visão de Larson, pois, as músicas foram compostas por ele próprio, mas, o grande problema é que o visual precisa acompanhar esse conceito, aqui algo muito bem aprofundado e trabalhado, resultado de um belíssimo trabalho da direção de arte, coreografias e mise-en-scène com destaque para a ótima cena de nado na piscina e a criação da música ‘Sunday’.  

Existe um grande apelo no uso de cenários teatrais que se transformam na frente do espectador sem necessitar totalmente da montagem para esconder algo, preferindo utilizar os ângulos de câmera como auxiliares para acompanhar os atores. 

TOM ESPERANÇOSO 

Algo muito interessante é a escolha pelo momento da vida de Larson para ser retratada. Grande parte do público esperava que fosse a criação do musical ‘Rent’, o seu maior sucesso, mas o roteiro de Steven Levenson apresenta na realidade os anos anteriores a isso, todas as inspirações para o musical e, é claro, as primeiras frustrações com o mercado e a Broadway. Isso é muito importante para criar um roteiro sólido já que se torna muito presente os sonhos e ambições, mas também a realidade e problemas pessoais. 

O espaço dado aos questionamentos, problemas e medos de Larson é algo bem realizado porque dão dimensão a problemas sociais da época. Como não poderia ficar de fora, o HIV é um tema decorrente e mostra tanto o lado sobre a vivência de Larson, a preocupação em perder amigos e conhecidos como também o preconceito e falta de conhecimento da população com a doença.  

Ao mesmo tempo, “Tick, Tick Boom…!” consegue transmitir leveza sobre suas temáticas por abordar amplamente o lado inspirador da história. Ele mostra uma pessoa com o objetivo de fazer arte e ser reconhecido por ela, algo que custou anos em um trabalho insatisfatório, péssimas condições de moradia e até mesmo o fim de seu relacionamento. Existem conflitos como também o crescimento do personagem e um mundo à sua volta que influencia na sua arte. 

GARFIELD, O CORAÇÃO DO MUSICAL 

Com tantas nuances em um único personagem, a atuação de Andrew Garfield é realmente louvável, pois esse poderia ser facilmente o caso onde a personalidade se sobrepõe ao ator. Contrariando a expectativa, Garfield se entrega totalmente ao papel, às performances, passando a ideia de viver um sonho em meio a cidade caótica. Apesar de existirem muitos elementos bem pensados no longa, caso o ator principal não entregasse realmente o necessário de nada importaria todo resto, porque ele é o coração, a razão para tudo aquilo estar sendo visto. 

A atuação de Andrew Garfield é um convite aberto para o espectador ser imerso na experiência proposta de contar a vida de Larson ao mesmo tempo em que o acompanha finalizando o projeto ‘Superbia’. Essa dualidade no roteiro poderia facilmente virar uma grande confusão caso a narrativa não estivesse muito bem planejada pelo roteiro de Steven Levenson, também showrunner da minissérie “Fosse/Verdon”. Essa criação entrelaçada da história, a qual também consegue mostrar as tantas facetas do artista, envolve facilmente o espectador independente de existir preferência ou não pelo mundo de musicais, sendo assim, basicamente, um dos melhores filmes de 2021.

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