Entre subidas e descidas pela histórica cidade mineira de Ouro Preto, o clima frio permeia os dias e noites de intensa programação da Cine OP. A Mostra de Cinema de Ouro Preto chega à 17ª edição em meio à emoção pela retomada do evento em sua forma presencial e celebração das produções que ressaltam o tema da curadoria este ano: preservar, transformar, persistir. 

Entre as exibições de filmes contemporâneos, lançamentos de obras, Encontro de Preservação e de Educação, o Cine OP integra a população da cidade ao convívio com cineastas, pesquisadores, críticos, professores que circulam entre a Praça Tiradentes (onde um telão dá vida ao cine-praça no melhor estilo Cinema Paradiso) e o centro de convenções da UFOP – Universidade Federal de Ouro Preto. 

Chegando no centro de convenções, no hall circular do prédio central, várias fotografias de aldeias e indígenas estão em exposição. Uma mulher e um homem são as figuras centrais da Mostra de Cinema de Ouro Preto, um casal de cineastas nascidos em Missiones, do outro lado do rio do que costumamos entender como Brasil e como Argentina e outras territorialidades demarcadas por nações imperialistas.


Patrícia Ferreira Pará Yxapy e Ariel Ortega Kuaray têm percursos brilhantes, inspiradores e formativos pelo cinema. Há 15 anos, os pais do pequeno Dionísio e homenageados pelo CineOP realizam filmes em dupla ou em colaborações com outros cineastas indígenas e cineastas brancos. Esta trajetória passa desde o Vídeo nas Aldeias até a consolidação do Coletivo Mbyá-Guarani de Cinema. 

Ariel é sorridente, comunicador e articulador, gosta sempre de ressaltar que usar o aparato da câmera é uma escolha que é feita colaborativamente. Que o cinema surge como uma forma de resistir e registrar as tradições, preservar a cultura Guarani e encerrar dentro de uma caixa temporal o relato dos mais velhos. Mas que também quer fazer arte, que o cinema indígena é muito mais diverso, disruptivo e inventivo do que se tende a pensar. 

Educadora, Patrícia conversa com as mulheres e anciões da aldeia Koenju, em São Miguel das Missões. Ela busca fazer com que as personagens e depoentes se sintam confortáveis. Ariel e o irmão, Leo, trazem as crianças como Mário, Palero e Neneco para serem narradores das vivências na aldeia – e eles trazem uma sensação de imprevisibilidade e modernidade constante na narrativa. 

Formando outras gerações de cineastas indígenas, Patricia e Ariel aproveitam a ocasião para trocar vivências com outros cineastas presentes na CineOP e apresentam suas obras, dos filmes feitos ainda no Vídeo nas Aldeias, com Vincent Carelli ou Ernesto De Carvalho – “Desterro Guarani”, “Bicicletas de Nhanderu”, “Mbya-Guarani” -, até produções recém completadas, caso do emocionante ensaio “Nossos Espíritos Seguem Chegando” – onde Patrícia dá corpo e voz aos anseios sobre o que está por vir, tecendo ainda uma carta ao filho que carregava no ventre. 

Na mesa realizada no dia posterior à abertura do CineOP e da exibição de filmes realizados pelos dois, ainda completada por uma mini mostra com mais três curtas que representam a considerável produção audiovisual deles, estiveram presentes parceiros habituais como Ernesto De Carvalho, Sophia Pinheiro e o recém-chegado Bruno Huyer, com a mediação do curador Cléber Eduardo. 

Duas aldeias, uma caminhada

“Precisamos purificar a câmera”: é a frase de Ariel que fica impressa no pensamento, quando ele menciona como vai se adaptando para estabelecer uma relação em especial dos mais velhos com a imagem. 

Patricia comentou como é preciso levar na base da confiança a relação quando se produz imagens, além de trazer para o entendimento dos Mbya-guarani conceitos não-indígenas. E que conceitos como países, fronteiras, não existem na cosmologia indígena. Todas são aldeias cortadas por rios, mas não é possível para os Guarani de hoje caminharem no lugar ancestral, ao qual sempre pertenceram, pois, os lugares sempre são de alguém e eles são recebidos de forma violenta. 

Ocupando hoje um território pequeno onde habitam trinta famílias em 240 hectares e estão cercados por plantações de soja, os Mbya-guarani colocam parte de seus espíritos nos frames e sequências que inundam telas audiovisuais.