Sabe aquela expressão “Dentro de toda brincadeira, há um pouco de verdade”? Esse ditado popular poderia ser a resposta ao meme “o brasileiro tem memória curta”. Entre mitos e falácias, é notável o quanto ainda há muitos fatos que são obscuros aos livros de história brasileira. Poderia utilizar alguns exemplos, mas te convido apenas a pensar na ausência de determinadas etnias ibero-americanas na nossa historicidade.

Isso, porém, é papo para outro texto.

E por que toda essa introdução? O Cine SET conversou com Keila Serruya, artista transmídia que desenvolve “Direito a Memória”, projeto que busca justamente utilizar a arte para resgatar, reivindicar memórias, lugar de fala nas ruas e na história manauara.

Aproveitamos a oportunidade para conversar sobre o projeto “Direito a Memória” e o Cine Bodó, também organizado por Serruya.

Cine SET – O que a inspirou na criação do projeto “Direito a Memória”? Quais são os principais conceitos envolvidos?  

Keila Serruya – “Direito à Memória” é uma pesquisa artística que gera documentário, filme, fotografia e ocupação urbana com a construção de grandes obras em lambe, utilizando a arte como ferramenta de intervenção. Inspirando-me nas palavras de Abdias Nascimento: “Nunca é tarde para voltar e apanhar aquilo que ficou atrás”.

Cine SET – Qual a proposta do projeto? Como ele dialoga com a cidade de Manaus?

Keila SerruyaReivindicar nossos lugares na memória da cidade de Manaus. Nossa identidade negra sofre um processo de apagamento muito violento por aqui, está no imaginário popular. Compreender nossa identidade e auto imagem de forma positiva é o que importa. A arte é uma ferramenta modificadora que fita um futuro e, compreendendo essa importância, ou nos movemos e começamos a debater sobre invisibilidade, ou sempre estaremos no local do não existente.

“Direito à memória – Outras narrativas” é um projeto de pesquisa em artes visuais e audiovisual sobre a visibilização de figuras negras importantes para a história do Amazonas. O projeto tem foco naquelas que não estão nos livros, nem nos retratos dos museus, pois seu objetivo é pesquisar e procurar pessoas amazonenses e negras que fizeram parte da nossa história, e as atuais que fizeram ou fazem história pelo Estado.

Cine SET – Como você enxerga a importância de ter pessoas negras e indígenas em uma produção que busca o resgate memorial?

Keila Serruya – Memória é a palavra.

As pessoas negras e indígenas são importantes para a história desse país e ponto. Quando essa memória real se tornará presente no imaginário popular?  Eu estou disposta a me mover e mudar essa realidade de apagamento, mesmo que minimamente, junta a toda essa equipe negra e indígena que quer uma Manaus sabendo que a sua pele é escura e não é por causa do sol.

Cine SET – Como as etapas do processo dialogam artisticamente e politicamente? Qual a importância e o peso político de “Direito à Memória”?

Keila Serruya – O projeto se divide em diversas etapas, sendo elas construídas em um processo que envolve muita pesquisa, gravações, ocupação das ruas com lambes, informações e obras na web e exposição em galeria de arte. Nada mais político do que ter uma equipe formada por negros e indígenas, falando sobre suas histórias dentro dessa cidade que silencia o tempo todo, o racismo institucional, velado, visceral e cordial vivendo aqui, e nós artistas negros e indígenas vamos modificar essa realidade.

As pessoas se organizam de diversas formas, sendo umas vivendo com seus privilégios e outras em sua negação. Nosso fazer legitima nossos corpos dentro desse espaço geográfico, falamos a partir de nossa estética. Esta negada o tempo inteiro. Descolonizar os olhares sobre essa população aqui em Manaus é algo justo, reivindicamos nossos lugares.

Cine SET – O que o “Direito a Memória” representa na sua carreira? 

Keila Serruya – Nem fico pensando muito em carreira, mesmo sendo extremamente planejada para minhas ações. O que me estimula é saber que posso modificar tudo que toco. É saber que arte muda cidades, pessoas, constrói outros imaginários populares.  Parece romântico, mas eu não fico pensando na minha carreira quando movo um monte de pessoas negras para gritar na cara da cidade que nós existimos. Viver é ação, eu sou movimento e estou mais viva que nunca.

Cine SET – Como poderemos ter acesso as etapas do projeto?

Keila Serruya – Estamos em processo de gravação, pesquisa, registro, conversas, articulações em espaços expositivos. Até junho divulgamos nosso site com todo conteúdo da pesquisa. Mas quem quiser ter uma prévia sobre esse trabalho é só entrar no Instagram do @direitoamemoria.

Cine SET – Vamos falar um pouco sobre o Cine Bodó. Como você avalia essa edição do projeto?

Keila Serruya – Vamo mermo! (risos) Cine Bodó é um projeto incrível! Me modifico direto aprendendo com todas aquelas crianças. Esse é um projeto que tem a concepção da realizadora audiovisual amazonense Dheik Praia e minha mão na produção, estamos juntas nesse empreendimento desde a primeira edição, mas essa foi gigante, brilhante, emocionante. Recebemos o apoio do Edital Conexões Culturais 2018 e fizemos essa edição com formação, equipamentos de qualidade graças ao apoio da 602 Filmes e muitos outros.

Todos os espaços visitados são de conflito, mas, a partir da articulação com mobilizadores locais, foi possível ter jovens em nossas oficinas. Estamos felizes e procurando novos apoiadores para realizar a 5ª edição de forma muito mais potente.

Cine SET – Por onde vocês passaram? Como foi a recepção do público?

Keila Serruya – Fomos na Comunidade da Sharp, Parque das Tribos, Redenção e Monte das Oliveiras. O público nos recebeu de braços abertos, nos ajudou na divulgação, preparo dos alimentos, articulação local como um todo, por isso foi um sucesso, por isso o projeto existiu em sua plenitude.

Só foi possível realizar devido ao apoio local da Comunidade da Sharp, do Projeto Transformação e HipArte na Redenção, Soul do Monte no Monde das Oliveiras, Centro Cultural Indígena Wakenai  Anumatwhit no Parque das Tribos.

Cine SET – Como os participantes do Cine Bodó reagem aos filmes que pautam o seu lugar de fala? Como você enxerga a importância de trazer a vivencia deles para o audiovisual?

Keila Serruya – É muito emocionante se verem nas telas, verem os cachorros, suas vozes, casas, pele, roupas comuns. É um momento mágico que nos ajuda também, e para mim, como realizadora, essa ação é uma vivência também. Eles se enxergam e já que são incríveis produzem autoestima. Eles se vêem como indivíduos capazes de também produzir narrativas e isso é muito importante. Porque são esses jovens falando em primeira pessoa, os jovens de periferia também têm direito de falar e o audiovisual é uma ferramenta de mudança, uma ferramenta de construir cidadania.

A exibição dessa edição que mais me emocionou foi a do Parque das Tribos, muitos se emocionaram.

Cine SET – O Cine Bodó é uma ferramenta para a democratização do cinema. Como você avalia a sua importância na formação político-artística dos participantes? 

Keila Serruya – Não formamos cineastas nesse projeto, pensamos audiovisual como ferramenta de possibilidades para se falar em primeira pessoa. É uma vivência, introdução, estímulo a uma percepção mais sensível ao audiovisual que está na TV, no cinema, no celular, nos aplicativos, etc. Esses jovens sabem que podem e devem usar os recursos que estão nas mãos para falar mais sobre si, sobre suas ideias de mundo, cultura e forma de existir.

Cine SET – Quais são seus próximos projetos? 

Keila Serruya – O que posso adiantar é que esse ano tem a 2a edição do projeto de websérie Mormaço Sonoro, tem a continuação do Direito à Memória que é um projeto bem longo já que trata da memória de um lugar desmemoriado, além de circulação com os projetos já existente “SEM NOME/ SEM (cem) MORTOS, ANCESTRALIDADE DE TERRA E PLANTA” e o documentário de curta metragem novíssimo “Seo Geraldo – Homem de Música e Planta”.

Equipe técnica do Direito à Memória

Concepção e Direção: Keila Serruya (@keilaserruya.sankofa)

Produção: Maria do Rio e Ythana Isis (@mariadorionegro e @ythanaisis)

Direção de arte do filme: Francisco Ricardo (@franciscoricardo.artista)

Direção de comunicação: Jéssica Dandara (@respeitaaspretas)

Assessoria de imprensa: Karine Pantoja (@vamosfazerumfilme)

Design: Mendes Auá (@aua___lab)

Edição de vídeo para as redes: Marcelo Balaclavo (@balaclavo)

Direção de fotografia / filme: João Paulo Machado (@adorofototremida)

Cabelos e assistente de produção: Ádria Praiano (@adriapraiano_)

Orientação de movimento: Francine Marie (@orixamulher)

Maquiagem: Bárbara Ribeiro (@barbiribeiromakeup)

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