O Que é Isso Companheiro?“. “O Invasor”, “O Casamento de Romeu e Julieta”, “A Via Láctea”, “Verônica”, “Chatô: O Rei do Brasil“, “Canastra Suja”, “Duas Irenes“, “Hebe: A Estrela do Brasil“…

A carreira de Marco Ricca se confunde com o cinema brasileiro dos últimos 25 anos tanto em produções voltadas para o grande público como para o circuito mais de arte.

Dirigido por Marcelo Lordello (“Eles Voltam”), “Paterno” se junta a esta extensa e importante filmografia. A produção rodada no Recife, em 2017, traz Ricca como Sérgio, um sujeito envolvido no processo de incorporação imobiliária de uma área popular do Recife para um projeto da construtora da família. O protagonista vive entre as dúbias heranças (práticas e pessoais) passadas por seu moribundo pai e as tentativas de se manter em contato com seu filho, à beira da idade adulta.

Nesta entrevista concedida durante o Festival Olhar de Cinema 2022, Marco Ricca fala sobre a experiência de gravar o filme, as questões políticas que permeiam “Paterno” e uma curiosidade sobre a sessão de lançamento.

Cine Set – Seu personagem, Sérgio, vive uma crise rico, mas, perdido entre duas possibilidades, sendo a cena final muito simbólica disso. Como foi para você construir este personagem? 

Marco Ricca – O roteiro é maior indicativo para um ator, sendo o nosso filtro entre a narrativa fílmica do diretor e a narrativa dramática. Aqui, em “Paterno”, o roteiro (autoria de Marcelo Lordello e Fábio Meira) era muito bom. O personagem era cheio de nuances, extremamente rico. Uma figura que pouco fala e eu adoro coisas assim. A gente não pode mudar a gente (risos) e há muito disso: tem o roteiro e tem a gente. No meio delas, existe a proximidade.  

O Sérgio é um personagem vertiginoso assim como o filme. Um burguês vindo de uma família dona de construtora que se vê dominado por aquele mundo herdado, impedindo-o de seguir por outros caminhos como a arte ou a arquitetura. Diante disso, ele fica completamente preso, travado.  

Pude assistir ao filme aqui no Olhar de Cinema e achei “Paterno” espetacular. Teve uma hora em que esqueci que estava ali e comecei a acompanhar a história como mais um espectador. Marcelo tinha muita clareza sobre o filme e assistindo me surpreendi ainda mais, pois, observei várias camadas até mesmo no meu trabalho. Fiquei fascinado pelo domínio que aconteceu no modo de realizar e como isso vai para a tela.  

Cine Set – Pelo fato do seu personagem ser muito calado, fechado, ter relações muito complicadas com todos os demais personagens, especialmente com o pai, isso de alguma forma alterou sua relação com o restante do elenco ou você não chega a adotar tais estratégias?  

Marco Ricca – Antes de tudo, preciso dizer que acho o elenco excelente! Marcelo garimpou muito bem os atores e chegou a um resultado impressionante. Já fiz muito filme na minha vida e vejo em “Paterno” uma excelência neste setor, sendo algo muito interessante que seja o primeiro longa de vários deles. Fiquei surpreso demais tanto pela qualidade do filme como dos meus colegas de elenco. É um filme de ator para atores construída de forma mágica pelo diretor.  

Quanto à relação, era boa, mas, funcionava assim: eu filmava o dia todo até que chegava alguém para filmar comigo. Depois outro e depois outro. Acabou que não consegui ter tanto contato com o restante do elenco, de ficar junto. Eu ficava em uma cidade, no hotel, enquanto os outros atores ficavam em casas em outra cidade.   

Somente com a Rejane (Faria) e o Thomas (Aquino), com quem filmei mais, que consegui ter um pouco mais de contato, porém, tudo muito esporádico. Mesmo o Nelson Baskerville, intérprete do meu irmão e um grande amigo meu de muitos anos, ficou apenas três dias. Até chegamos a sair para jantar, mas, logo em seguida, ele já voltou. De qualquer maneira, a equipe foi ótima. 

Cine Set – Acho interessante que há uma carga política por trás do filme, afinal, foi gravado em 2017 e somente está conseguindo sair agora. Isso, entretanto, não impede a atualidade dele, o que, talvez, diga mais sobre o Brasil em si. Além disso, temos um protagonista pertencente a um setor e a uma classe econômica com enorme influência na política brasileira. Como você observa estes aspectos presentes em “Paterno”?  

Marco Ricca – Considero que o filme seja político sem ser panfletário, falando muito através da própria história e das contradições dos personagens. A forma como a divisão da sociedade é feita, a agressividade das empreiteiras construindo a riqueza deles com o dinheiro público, os lobbys nas igrejas aliadas à extrema direita, as pequenas e grandes corrupções estão presentes em “Paterno” a partir das movimentações do protagonista.  

Dentro deste cenário, acho interessante a relação que não deixa de ser política entre o Sérgio com o filho. Você vê o ímpeto de transformação presente no jovem em qualquer lugar, inclusive, no menino burguês. Infelizmente, pessoas como ele correm o risco de ficarem aprisionadas nestes núcleos e se comportarem como o pai, que já teve esta mesma relação com o avô e assim sucessivamente.   

O mal é gostoso e estes caras gostam, sempre se esquivando de qualquer culpa sobre o racismo, pobreza como se não tivessem ajudado a construir o atual estado das coisas.  

Cine Set – Como surgiu o convite para você participar de “Paterno”?   

Marco Ricca – Trabalhei com o Fábio Meira (co-roteirista de “Paterno”) em um filme que adoro, “Duas Irenes”. Não sei se eles já estavam com alguém em mente para o papel, mas, sei que o Fábio me indicou ao Marcelo. Assim que li o roteiro, topei na hora. 2017 foi um ano em que fiz 3, 4 longas, entre eles, “Lamento”, um filme que gravei em Curitiba, e o “Rasga Coração”, do Jorge Furtado.  

Adorei participar de “Paterno”. Para mim, fazer cinema são as procuras e as tentativas de chegar em algum lugar. Não é só a narrativa da história, a fábula, mas, também provocar. Eu que fiz o filme, admito, sai estranho dele. Espero que ocorra o mesmo no público. 

Cine Set – Gostaria de saber como foi a possibilidade de assistir ao filme em uma sala lotada após tanto tempo por conta da pandemia. O que você já recebeu de troca de experiências e reações em relação à sessão?  

Marco Ricca – Chegaram até mim elogiando o filme, dando parabéns. Eu não sento no meio da plateia; fico muito incomodado porque as pessoas ficam te observando para ver a tua reação (risos). Tinha um cantinho ali na saída e fiquei sentado no chão. No fim das contas, eu gosto mais de fazer do que assistir.  

De qualquer modo, senti a plateia participando o filme. É muito gostoso ver as pessoas juntas em comunhão para ver uma obra. Para mim, foi um momento histórico: minha primeira aglomeração na pandemia.

  

ALERTA DE SPOILER 

 Cine Set – Falando sobre a reação do público, é interessante observar como a plateia embarcou naquele drama do personagem preso àquela realidade herdada da família. Há uma dúvida constante se o Sérgio conseguirá se livrar daquelas amarras ou não.  

Marco Ricca – Isso provoca a famosa ‘gastura’ em quem assiste. O personagem não se redime. Ele inicia e termina no carro, até mais aprisionado do mesmo jeito. Sinto isso também da expectativa de que algo irá ocorrer, mas, acaba sobressaindo a cabeça destruída de uma burguesia voltada para a continuidade dos mesmos vícios seculares e destrutivas. 

Entrevista concedida durante a cobertura do Festival Olhar de Cinema 2022.

Agradecimentos: Carol Moraes e a Trombone Comunicação