Por causa da pandemia do Covid-19, quase não tivemos festivais de cinema em 2020. Nada de Cannes, Veneza provavelmente também não vai acontecer, e o setor de entretenimento em geral, não só o do cinema, deve passar por mudanças substanciais nestes próximos anos, mesmo depois de descobrirem uma vacina para o coronavírus. Mas, no momento, está rolando um festival de cinema, você sabia disso? É o Festival We Are One, inteiramente online. O We Are One iniciou-se em 29 de maio e vai até o dia 7 de junho, e você pode assistí-lo de graça no YouTube ou na página oficial do evento é esta.

O festival consiste de uma seleção de curtas, longas, animações, documentários, shows musicais e painéis de discussão – verdadeiras masterclasses – com cineastas de diversos países. Todos os filmes e painéis foram selecionados das edições mais recentes de alguns dos maiores festivais de cinema do mundo, como os de Cannes, Roterdam, Sundance, Toronto, Guadalajara, Londres, Tribeca, Veneza, entre outros. Tudo gratuito, mas a mostra ainda vai arrecadar fundos que serão destinados ao combate do coronavírus. Claro, a maior parte dos vídeos é falado em inglês, ou tem legendas nessa língua, mas aproveitar o momento atual para estudar inglês, ou qualquer outro idioma, é uma boa pedida, não é mesmo?

Para quem não domina mesmo o idioma, uma possibilidade legal para usufruir o festival são as animações, já que a maioria delas são estritamente visuais e nem têm diálogos mesmo. E em nome da conveniência, elas já estão reunidas numa playlist legal (clique aqui). São trabalhos muito interessantes do mundo todo, e os filmes apresentam diferentes técnicas de animação – desenho, computadorizada, stop-motion – e temáticas, capazes de agradar a espectadores diversos.

Há também playlists dedicadas a filmes de cineastas negros e mulheres. E embora a programação de curtas seja interessante – e bem variada e numerosa, tanto que a mostra é uma boa opção de entretenimento para quem está no confinamento – para mim a maior atração do festival são os painéis de conversas. Estão disponíveis para fãs e cinéfilos debates e conversas envolvendo nomes como os cineastas Claire Denis, Olivier Assayas, Guillermo del Toro, Alejandro González Iñarritú, Steven Soderbergh e Francis Ford Coppola; e os atores Diego Luna e Zhang Ziyi. É sempre um prazer ver gente grande como eles falando sobre cinema e seus processos artísticos, por isso esse é o segmento do Festival que mais aproveitei.

É por iniciativas como essa que cinéfilos do mundo todo não podem reclamar de falta do que assistir durante o isolamento, e provavelmente esse tipo de evento veio para ficar. Claro que as edições presenciais de grandes festivais de cinema não vão acabar, pois movimentam a grande engrenagem do cinema mundial tanto do ponto de vista artístico quanto do econômico – E não podemos esquecer nunca, cinema também é negócio. Mas num mundo pós-pandemia, com certeza eventos como o Festival We Are One deverão se tornar cada vez mais comuns. Ao prestigiar o We Are One, é forte a sensação de que estamos presenciando um vislumbre do futuro, um tipo de evento que vai se tornar cada vez mais corriqueiro e que promete fazer parte do panorama do cinema tal e qual os demais festivais cheios de glamour e de gente reunida para assistir a filmes.

OS FILMES IMPERDÍVEIS

“Cerulia”: Filme mexicano de um intricado stop-motion sobre a protagonista que retorna à sua casa de infância e descobre umas lembranças sinistras por lá. Um belo clima gótico complementado por uma ótima trilha e um maravilhoso trabalho de animação.

Anna”: Curta sensível, e até triste, do diretor Dekel Berenson que fez parte da seleção de Cannes sobre uma mulher ucraniana de meia idade que decide participar de uma festa organizada para homens estrangeiros visitando o país. Sutil e com uma boa atuação da atriz principal, Svetlana Alekseevna Barandich, é uma observação tocante sobre um dilema bem feminino, a solidão de mulheres na idade da protagonista.

“Atlantiques”: o curta-metragem dirigido por Mati Diop mostra o universo sem perspectivas de jovens no Senegal que deidem embarcar em uma jornada perigosa rumo a Europa de maneira ilegal. A produção foi embrião do filme premiado em Cannes e adquirido pela Netflix.

“Occidente”: filme-poema de uma ecologia de sinais, que fala da história colonial que repete a si mesma. Subalternos se tornam os senhores, antiguidades tornam-se conjuntos de jantar reproduzíveis, aves exóticas tornam-se moeda de luxo, exploração torna-se turismo de esportes extremos, monumentos tornam-se dados geográficos.  Uma viagem esférica para Oriente e Ocidente, em círculos  de expansão crescente em busca do lugar próprio de cada um, o lugar de cada um ao redor da mesa.

 Painéis de Debate Imperdíveis 

Tribeca Talks: Francis Ford Coppola e Steven Soderbergh: Gravada no festival de Tribeca de 2019, esse bate-papo entre esses dois gigantes do cinema é centrada em Apocalypse Now (1979), que celebrou ano passado 40 anos de lançamento e foi relançado numa nova versão. Mas aqui e ali o debate inteligente entre Soderbegrh e Coppola se amplia para outros insights, e acaba sendo imperdível para cinéfilos.

Tribeca Talks: Alejandro Iñarritú with Marina Abramović: Um bate-papo entre o cineasta mexicano vencedor do Oscar e a artista performática, não só sobre cinema, mas sobre as visões artísticas de ambos e suas percepções sobre sociedade e a vida. É interessante a ponto de despertar nosso interesse em ver os dois colaborando juntos em alguma coisa…