Esta não é uma crítica nem pretende ser.
Para isso, recomendo o texto de Mariah Cruz para o CulturaLab. 

 

Era terça-feira, dia 8 de novembro, quando “Cabaré Chinelo” estreou uma breve temporada prevista para durar apenas aquele mês no Teatro Gebes Medeiros, localizado na esquina da Avenida Eduardo Ribeiro ao lado da Praça do Congresso. Estive lá e não me surpreendeu a lotação máxima, afinal, o lançamento de um filme ou uma peça é o dia em que amigos, familiares e a própria classe artística costumam prestigiar em peso.  

Cheguei já em cima da hora e, logo de cara, encontro Diego Bauer, diretor de curtas premiados como “Obeso Mórbido” e “Enterrado no Quintal“, e Karol Madeiros, atriz que recebeu menção honrosa por “Terra Nova” no Festival de Brasília 2021. Normal. Horas depois, no IG, outras personas da cena cultural exaltando a nova produção do Ateliê 23. Tese confirmada. 

E os elogios eram mais do que merecidos: “Cabaré Chinelo” apresenta um novo olhar sobre a tão aclamada Belle Époque a partir da ótica de mulheres exploradas e violentadas pela elite manauara do fim do século XIX e início do XX. Tendo como ponto de partida a pesquisa histórica de Narciso Freitas em uma co-parceira com a companhia argentina García Sathicq, o Ateliê 23 transforma todo o Gebes Medeiros em um imenso palco/bordel neste musical frenético.  

Poderia desfilar adjetivos para lá de positivos à banda, figurinos de Melissa Maia ou iluminação de Tabbatha Melo (aliás, grande parte da equipe técnica da peça é feminina), mas, os reservo para o elenco, condutores desta jornada de forma coesa e brilhante. Será, no mínimo, absurdo se os futuros filmes amazonenses não aproveitarem alguns dos talentos de “Cabaré Chinelo”, especialmente, Eric Lima, Vivian Oliveira e Sarah Margarido. 

No dia seguinte da estreia, mais uma sessão esgotada. “Ok, quem não pode ir ontem, foi hoje”, pensei em um raciocínio simplista. E os elogios nas redes sociais seguiram fortes. A primeira surpresa, entretanto, aconteceu quando vi divulgado que a segunda semana – 15 e 16 de novembro – teve ingressos esgotados novamente. E não foi uma lotação máxima em cima da hora e sim com dias de antecedência. O fato se repetiu na semana dos dias 22 e 23, 29 e 30 de novembro. A procura era tanta que uma sessão extra foi aberta no dia 6 de dezembro. Adivinha: tudo ESGOTADO.

Para a nova temporada em janeiro de 2023, não há mais entradas para a primeira semana. Detalhe: falta mais de um mês para a apresentação. O feito de “Cabaré Chinelo” ganha mais impacto quando se nota que a peça lotou os 140 lugares do Gebes Medeiros às terças e quartas-feiras, dias complicados para grande parte do público comparecer a um evento cultural.

Mas, não era só isso: pessoas sem grande ou nenhuma ligação com o teatro e a cultura local muito menos com os artistas estavam indo à peça. E gostando com elogios empolgados e raros a uma produção amazonense, vista com tanto preconceito pela própria população – seja em qual segmento artístico for, diga-se.

Para tal sucesso, reside aquilo que considero o maior trunfo de “Cabaré Chinelo”: conseguir transmitir com riqueza e nuances todo o horror daquele universo sórdido para com as mulheres a partir de pesadas críticas a uma elite de Manaus – que não mudou muito desde a Belle Époque – ao mesmo tempo em que utiliza engrenagens pops para ser acessível e dialogar com os mais variados espectadores. Cinéfilos, por exemplo, vão identificar imediatamente traços de “Cabaret”, “Chicago” ou “Moulin Rouge”. 

Por mais óbvio que seja, pode-se dizer que estamos diante de um fenômeno raro – o tamanho dele fica para historiadores da cultura e do teatro amazonense. Pensar em palcos maiores que o acanhado Gebes Medeiros não faria mal ao Ateliê 23, afinal, se há uma peça independente nos últimos anos capaz de ir além da bolha de sempre do cenário artístico para despertar a atenção de um público maior para a cena teatral amazonense esta é “Cabaré Chinelo”.