A descentralização ocorrida na cultura brasileira na última década proporcionou o surgimento de novas temáticas, novas estéticas, novos sotaques, e novas estrelas, claro. Se antigamente o cinema brasileiro tinha dificuldade para emplacar grandes estrelas sem o auxílio da televisão, hoje em dia, é perfeitamente possível apontar atores extremamente conhecidos que possuem uma carreira mais vasta no cinema do que na telinha.

Tal reconhecimento é ainda mais notório quando tais estrelas surgem de filmes feitos com mais garra do que dinheiro, financiados por leis de incentivo oportunas, mas ainda incompletas, e que conseguem sobreviver graças a sua inesgotável sede de realização.

Nomes como João Miguel, Matheus Nachtergaele, Jesuíta Barbosa, Zé Carlos Machado, Gero Camilo são exemplos desse novo momento do audiovisual brasileiro, um cinema de personalidade forte, decidido, que através do trabalho de grande atores, antes pouco conhecidos do grande público, cumpre papel importante na arte contemporânea brasileira.

Que me desculpem todos os nomes citados, mas embora haja muitos intérpretes de qualidade no mercado brasileiro, um nome tem se destacado dos demais nos últimos anos, apresentando um trabalho com uma regularidade poucas vezes vistas no cinema mundial, elevando o nível de todos os filmes nos quais está envolvido, tornando-se uma espécie de novo rosto do cinema brasileiro: este ator se chama Irandhir Santos.

Irandhir Santos: energia no Limoeiro ao sucesso nos cinemas

Primeiros passos na arte

O primeiro contato de Irandhir com a arte foi através do teatro. A partir da primeira experiência, ainda como plateia, sentiu que era isso que queria fazer. Durante os anos 90 participou de suas primeiras peças, o que cumpriu papel determinante em sua carreira, o tornou um apaixonado pela arte de interpretar, e o deu disciplina para entender a necessidade de fazer um mergulho completo em cada personagem de cada vez, exercitando assim foco e concentração. Anos depois cursou Artes Cênicas na Universidade Federal de Pernambuco, formando-se em 2003.

A relação com o cinema sempre foi distante até então. Nascido em Barreiros, uma pequena cidade da Zona da Mata de Pernambuco, o pequeno Irandhir, filho de um gerente de banco, sempre viajava por diversos lugares do Nordeste, sem criar proximidade com nenhum lugar. Isso até chegar em Limoeiro, lugar onde a sua família vive até hoje, e que exerce papel importante na sua vida. Santos ainda se mudou para Olinda, e por último para Recife, local que adotou como sua morada até hoje.

Lá teve um contato mais vívido com a arte, conheceu o teatro, como já foi dito, mas principalmente: foi lá que conheceu o cinema. A sétima arte sempre pareceu uma coisa feita em um outro lugar, que não era o que ele habitava, parecia coisa de americano, no máximo, de São Paulo, Rio de Janeiro. Tudo mudou quando assistiu a “Texas Hotel”, curta-metragem de Cláudio Assis, escrito por Hilton Lacerda (dois artistas que estariam muito presentes em sua vida a partir de então). Neste filme, o agora jovem Irandhir viu o lugar em que morava, o seu sotaque, os seus costumes, e a sua maneira de pensar em um filme! Ou seja, era perfeitamente possível fazer cinema, bastava interesse e dedicação. E isso nunca faltou ao ator.

Sua primeira vez num set de filmagem foi numa pequena participação em “Cinema, Aspirinas e Urubus” (2005), de Marcelo Gomes. O seu segundo trabalho já foi mais desafiador, Maninho em “Baixio das Bestas” (2007), de Cláudio Assis, aquele mesmo diretor responsável pela sua mudança de olhar para o cinema. Em entrevistas, o ator fala que tal papel cumpriu papel importante na sua carreira, pois foi sua primeira grande oportunidade. No seu primeiro teste, Assis detestou o seu trabalho, Irandhir estava muito nervoso, mas controlou as suas emoções nos testes seguintes, e conseguiu o papel, que era de difícil condução. Por seu trabalho neste filme, venceu o prêmio de Melhor Ator Coadjuvante no Festival de Brasília de 2006.

Irandhir Santos em Tropa de Elite 2

O início do sucesso

Irandhir ainda apresentava peças de teatro em Recife enquanto tinha as suas primeiras experiências no cinema. Quando estava no processo de um novo espetáculo, recebeu um convite de Luiz Fernando Carvalho, diretor da Rede Globo, para protagonizar uma microssérie, “A Pedra do Reino”, adaptação de um romance de Ariano Suassuna. Depois de receber a “bênção” do seu grupo, Irandhir aceitou o convite, e com este trabalho, abriu as portas para o reconhecimento nacional. Interpretando o histórico personagem Quaderna, o ator impressionou a muitos pela composição criada para este complexo personagem, carregando com força e segurança um trabalho bastante elogiado pela crítica. Em entrevistas, o ator fala que este é, até hoje, um dos seus trabalhos favoritos.

A partir de “A Pedra do Reino”, o ator tornou-se respeitado, e ganhou papéis de destaque em filmes importantes. Santos estrelou, ao lado do norte-americano David Rasche, “Olhos Azuis” (2010), de José Joffily, um filme que conta a história de um grupo de policiais que trabalha em um aeroporto de Nova York, que abusam do seu poder e detém arbitrariamente imigrantes latinos. No mesmo ano lançou o elogiadíssimo “Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo”, de Marcelo Gomes e Karim Aïnouz, em que participa apenas como narrador, num filme com imagens documentais de um personagem que, devido às obrigações do seu trabalho, precisa sempre viajar pelo sertão nordestino, ficando assim longe da amada. Usando apenas a sua voz para compor José Renato, o ator mais uma vez impressionou pela capacidade dramática que alcança, e pela simplicidade do seu trabalho.

Tais qualidades chamaram a atenção de José Padilha, que o convidou para bater de frente com o Capitão Nascimento (agora Coronel) em “Tropa de Elite 2: O Inimigo Agora É Outro” (2010). A maior bilheteria da história do cinema brasileiro, apesar de não ter a contundência do primeiro filme, serviu para que, finalmente, Santos mostrasse a sua força a um número muito maior de espectadores. Compondo o deputado Diogo Fraga como uma voz solitária, mas barulhenta, em favor dos direitos humanos, Irandhir imprimiu uma intensidade impressionante ao personagem, livrando aquela figura dos fáceis estereótipos que sempre surgem pelo caminho para dar alma a uma figura verdadeiramente humana. Com os números estrondosos alcançados pelo filme, Irandhir Santos finalmente se tornou uma figura conhecida e respeitada do cinema brasileiro.

Irandhir Santos em Febre do Rato

A consagração

Em 2012, Santos lançou o seu trabalho mais ambicioso até então: “Febre do Rato”. O trabalho que marca uma nova parceria do ator com Cláudio Assis é um êxito extraordinário, um novo patamar na carreira deste ator que já era ótimo, mas que aqui se tornou fora de série. Dando vida ao poeta marginal Zizo, Santos cria uma parceria explosiva com Nanda Costa, se desnuda e ressignifica diante da fotografia sensacional de Walter Carvalho, mostra que tem muitas caras, que também é capaz de realizar algo visceral, de experimentar sensações mais instintivas, que optam por uma radicalidade no discurso, e sedimenta de vez o seu nome como uma espécie de personificação do cinema pernambucano, o mais interessante do Brasil.

Tal ideia fica mais fortalecida com a chegada do já clássico “O Som ao Redor”, de Kleber Mendonça Filho, no qual Santos tem uma participação menor, mas ainda assim importante, num filme que já surgiu decisivo e extremamente oportuno para o cinema brasileiro.

Mesmo com tudo correndo muito bem, com a sua carreira cada vez mais sólida, Santos sentia uma espécie de vazio por não ter retornado ao teatro. Vontade nunca faltou, mas a sua agenda sempre estava cheia de novos filmes, o que impossibilitava o retorno. Sabendo disso, Hilton Lacerda convidou Santos para um projeto que, de alguma forma, unisse as duas linguagens. Daí surgiu “Tatuagem” (2013).

Tendo o processo de preparação de elenco acontecido em Olinda, Santos voltou a vivenciar os processos tão particulares do teatro. O elenco, todos juntos, realizavam alongamento, aquecimento vocal e corporal, exercícios dramáticos, e com o estímulo de Lacerda ajudaram a criar boa parte dos números teatrais vistos no filme, através de exercícios criados pelos atores, e apresentados para a direção. Tal proximidade deu um frescor sensacional ao filme, que realmente passa a impressão de família, de um grupo liberal que vive experiências juntos, e que possuem na arte o mesmo objetivo. Tal energia é tão poderosa que Irandhir Santos, ao lado do fenômeno Jesuíta Barbosa, entrega a melhor atuação da sua carreira, através de um personagem que parece capaz de apresentar muitas das facetas mais vivas do ser humano, como amor, amizade, ódio, ciúme, alegria (Tem cu!), tristeza e doçura, transformando “Tatuagem” num dos melhores filmes brasileiros dos últimos anos.

Além disso, o ator também realizou dois dos trabalhos mais marcantes da televisão brasileira nos últimos anos. A minissérie “Amores Roubados”, dirigida por José Luiz Villamarin e “Meu Pedacinho de Chão”, de Luiz Fernando Carvalho, na qual Santos interpretou Zelão, um dos personagens principais da trama. Ambos os trabalhos conseguiram enorme repercussão de público e crítica, apontando um caminho novo para a televisão aberta brasileira que, nesses exemplos, aproximou-se da linguagem cinematográfica para investigar novas linguagens, e que tiveram Irandhir Santos como elemento importante.

Permanência, com Irandhir Santos

O futuro e o passado

É estimulante, como fã de cinema, pensar que Irandhir conseguiu tudo isso com apenas 36 anos de idade, e que ele ainda terá muito caminho pela frente, novos desafios, novos personagens.

Em 2015, o ator está envolvido nos filmes: “Permanência”, de Leonardo Lacca; “A História da Eternidade”, de Camilo Cavalcante; “Obra”, de Gregório Graziosi; e “A Luneta do Tempo”, de Alceu Valença. Todos tratam-se de filmes que tem diretores realizando os seus primeiros longas-metragens. Dessa maneira, Irandhir parece reconhecer que é importante sempre incentivar a chegada de novos nomes, pois isso renova o mercado brasileiro. Mas também é sinal de que o ator não se esquece da sua origem, de que um dia nem sequer imaginou que era possível fazer cinema em Recife, e que hoje é um dos principais nomes do cinema brasileiro, basicamente pelo seu trabalho no cinema de Pernambuco, que se tornou o mais relevante do Brasil.

É por saber disso que o ator mantém religiosamente os mesmos hábitos. No final de cada processo de um filme, ele retorna a Limoeiro, come a comida de sua mãe, põe a sua cadeira na calçada de casa e conversa com a família, e com os vizinhos, pois acha que dessa maneira recarrega as energias para o próximo filme. Além de ajudar o ator a encontrar as suas respostas, que se apresentam mais em momentos como esse, em que retorna ao seu local de origem, e pode olhar para dentro de si, do que quando está viajando pelo mundo. Talvez um reflexo da infância nômade, que encontrou em Limoeiro, finalmente, um lugar para chamar de casa, mesmo que sua residência fique em Recife.

Outra mania famosa é a extrema concentração nos sets de filmagem, num processo que começa muito antes das gravações. Além disso, o ator adquiriu o hábito de, a partir da leitura do texto que será base para o trabalho, criar cadernos próprios, em que destrincha, através de frases, desenhos, trechos literalmente arrancados, recortados, do roteiro, trechos de livros, fotografias, anotações variadas, todas as possibilidades oferecidas pelo personagem, e de que maneira isso deve ser explorado. Métodos estes que adquiriu no teatro, e nunca mais deixou de lado.

Conhecendo esses métodos, e a maneira como eles influenciam o resultado diante das câmeras, fica fácil entender o motivo de Irandhir Santos chegar onde chegou, e ter a perspectiva que tem. Trata-se de um artista genuíno e sincero, que sabe dar valor a simplicidade na maneira de se expressar e enxergar o outro, pois sabe que assim mantém a cabeça aberta para se surpreender mais uma vez.