“A montagem é completamente e assumidamente emocional” revela Lázaro Ramos sobre sua primeira direção de longa-metragem com o documentário o ‘Bando, Um filme de’. A produção está na programação da 42ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e o Cine Set conversou com o ator sobre o projeto co-dirigido com Thiago Gomes.

‘Bando, Um filme de’ é um documentário sobre os 28 anos do Bando de Teatro Olodum, de Salvador. São cerca de 40 entrevistas com membros e colaboradores, além de vídeos e fotos de arquivo do grupo reconhecido por espetáculos políticos, sociais e que evidenciam a cultura Afro.

O grupo tem papel importante na vida de Lázaro por ter sido lá a primeira experiência teatral do ator. Não escondendo o carinho envolvido na produção, Lázaro Ramos identifica o documentário como uma ode aos seus primeiros ídolos. “Muita gente conhece a cara deles por causa de ‘Ó Pai, Ó’, mas não sabe o que é que tem por trás: as outras profissões que tiveram, as batalhas para permanecer no teatro, as lutas que encamparam, o processo criativo. E eu queria muito que as pessoas soubessem do valor dessa turma. Então, ele é totalmente feito é ditado pelo coração”, disse.

Apesar da relação emocional e admiração com o grupo, Lázaro explica que o processo de idealização do documentário surgiu ao ser surpreendido durante uma leitura dramática realizada na reunião de 25 anos do grupo. “Eu falei: vou filmar a leitura. Quando vi os bastidores e a maneira como eles se relacionavam, as histórias que eles lembravam, eu percebi a importância do resgate desse tempo todo que esse grupo de atores permanece junto. É um número muito raro no teatro mundial e brasileiro; você permanecer por 30 anos reunidos para fazer teatro”, conta. “E aí acabou que a história que nos ensinou isso, não fui eu que fui buscar contar”, completou.

Bancada com investimento próprio do ator, ‘Bando, Um filme de’ demorou três anos para ser finalizada. Dividindo a direção com Thiago Gomes, Lázaro Ramos explica que a co-direção ajudou no distanciamento entre ele e os depoimentos.

“Eu não fiz as entrevistas; o Thiago Gomes ficou com esta parte. Eu queria que as pessoas ficassem à vontade e falassem sem me ter como alvo da escuta”, disse. Ele completa que as gravações foram divididas em um mês direto e depois com outras filmagens espaçadas durante dois anos.


Memórias no Cinema

Durante a 42ª Mostra Internacional de São Paulo, o ator e diretor participou do evento Memórias no Cinema, onde pode relembrar sua trajetória no cinema. Lázaro comentou sobre suas primeiras influências cinematográficas, se posicionou diante das produções do cinema negro e, de forma saudosista, lembrou de alguns trabalhos que o marcaram.

“Era um rapaz de família humilde de Salvador, não tinha acesso a sala de cinema. Não era nem uma coisa que eu soubesse que existia e é muito curioso porque hoje eu trabalho com cultura, mas consumi muito pouca cultura na minha vida, cultura que não fosse televisiva, não tive acesso a teatro”, conta.

O ator, que chegou a fazer teatro antes mesmo de assistir a uma peça, comenta que a sala de cinema era o local onde sentia acolhimento quando jovem. Mas que só se aprofundou na sétima arte quando começou a trabalhar na área.

“O Karim Ainouz (“Madame Satã”), o Sérgio Machado (“Cidade Baixa”) e o Jorge Furtado (“O Homem que Copiava”, “Meu Tio Matou um Cara”, “Saneamento Básico”) foram diretores que me presentearam com vários filmes. No primeiro dia que a gente se encontrou, Karim me deu sete filmes sobre a temática gay em formatos diferentes e falou: ‘assista’. Jorge Furtado, a cada dia do set de filmagem, trazia um filme ou um livro diferente. Sérgio Machado também. Três queridos amigos que eu trouxe para vida e que generosamente me ofereceram todo conhecimento de cinema que tinham”, contou.

Carinhosamente, o ator destacou alguns dos trabalhos que lhe marcaram. Ele citou o filme ‘Tudo que aprendemos juntos’ (2015) como um dos que mais gostou de trabalhar. Já sobre o filme ‘Madame Satã’, Lázaro comentou a complexidade com que foi desenvolvido seu personagem.

“Ele é um personagem negro, gay, nordestino, pobre, mas contado com três coisas fundamentais: afeto, curiosidade e permitir que ele seja mais complexo do que querem fazer com o que a gente ache que o outro é”, observou. “A cena de sexo do “Madame Satã” não é uma cena de sexo, é uma cena de amor. O jeito que a gente faz, acena, o jeito que reagimos; queríamos dizer que essas pessoas se amam também. É o amor delas”, completa Ramos.