As Vernissages de cinema amazonense voltaram ao Cine Teatro Guarany, o que é sempre algo sensacional de se anunciar – sinais de vida no cenário local, tão irregular desde o fim do Amazonas Film Festival, mesmo se as mostras independentes dos últimos anos deram algum gás. Desta vez, foram duas novas obras do realizador audiovisual Zeudi Souza: a ficção No Rio das Borboletas e o documentário A Flor do Carmelo – que irei comentar ainda esta semana.

Conhecido por documentários como Promessas e Vivaldão: O Colosso do Norte, além da ficção Perdido, ganhadora do Grande Prêmio do Júri no AFF de 2010, Zeudi revisita as paisagens e o tom deste último com a nova produção, gravada na comunidade Nossa Senhora de Fátima, na zona oeste de Manaus. Infelizmente, a versão que se viu na Vernissage, segundo Souza, não foi a definitiva: rodado em 2013, com financiamento do Proarte, o filme vem tendo uma pós-produção problemática, devido a compromissos profissionais do realizador. É um dado que atenua os muitos defeitos vistos na versão que chegou ao Guarany, mas que obriga a se avaliar o filme pelo que ele é agora, até que a montagem definitiva apareça. E o saldo, pena, é decepcionante.

O programa exibido na Vernissage incluiu também Perdido, o que foi bastante instrutivo – é nítida a similaridade entre No Rio e a obra que lançou Zeudi no cenário amazonense. Ambos os filmes trazem cenários isolados, protagonistas em situações-limite e um estilo de filmagem contemplativo, de planos longos realçados pela música, além de um forte subtexto religioso. Na trama, três irmãs vivem numa casa isolada à beira de um rio, em situação precaríssima – com a mãe doente e cada vez menos comida em casa, elas têm duas opções, igualmente ruins: ou esperam o barco que traz suprimentos e remédios – e que não aparece há bastante tempo na comunidade, não se sabendo quando, afinal, e nem se, ele torna a aparecer; ou partem para um centro urbano no único barco disponível, uma daquelas voadeiras minúsculas, sem conforto nem segurança.

O que tivemos, na versão atual, foram dois atos: começamos descobrindo essas mulheres, a sua rotina, as suas dificuldades (além do isolamento e da doença da mãe, uma das irmãs é autista, e vive com o olhar perigosamente fixo nas águas escuras), para em seguida chegarmos àquela situação-limite, resultado de um ato impulsivo de uma das irmãs. E só: o desfecho traz uma cena com grande potencial climático, mas que passa tão rápido, e de forma tão confusa, que o filme apenas fica, como suas personagens, à deriva, suspenso sobre as águas.

É uma pena mesmo, porque a parte técnica mostra uma evolução considerável sobre Perdido, com atuações mais sutis e homogêneas do elenco e um trabalho de câmera (incluindo cenas noturnas muito bem iluminadas) bem mais fluido e seguro, mesmo se certos planos-chave repetem sacadas daquele primeiro filme: o final, por exemplo, com a câmera suspensa como se fosse a visão de um ente religioso sobre os que ficaram lá embaixo, ecoa o mesmo plano, usado com o mesmo fim, em Perdido. Mas são tantos os elementos mal-resolvidos na montagem – no meio do filme, uma das irmãs enterra duas bonecas na areia, e essas mesmas bonecas reaparecem no final; o ato que uma delas comete para apressar a decisão sobre esperar ou partir é tratado com a mesma falta de timing do final, passando tão rápido (e, desta vez, com uma iluminação escura demais) que você pode ficar sem entender nada; e vários outros buracos explícitos – que invalidam essas conquistas técnicas, além de estragarem a ótima premissa. As poucas sequências realmente construídas – entre essas, destaque para a cena da briga, filmada com bastante delicadeza – perdem todo o efeito no meio de tanta coisa pela metade ou inserida de forma incoerente no conjunto.

Na conversa pós-filme, Zeudi enumerou várias cenas que ainda devem entrar no curta – praticamente uma outra metade para a obra –, e eu espero que essa versão venha de fato à luz, porque de outro modo o cineasta, que já anunciou uma aposentadoria precoce da produção audiovisual, terá como expressão final na ficção um filme que até começa sugerindo um trabalho maduro e bem desenvolvido, mas que termina como uma oportunidade largamente desperdiçada. Souza já mostrou uma produção consistente em Perdido, e acredito que seu talento como realizador possa perfeitamente render novos bons resultados, mas falta aplicar ao resto de No Rio das Borboletas o mesmo cuidado e elaboração vistos no primeiro ato.