Ao se analisar a história do cinema, desde seu início, percebe-se que ela se apresenta como um mosaico. Algumas pessoas começaram a mexer com câmeras fotográficas e seus mecanismos, enquanto outras começaram a modificar o filme fotográfico, numa sucessão de inovações tecnológicas ocorrendo em diferentes partes do mundo. De repente havia como gravar em película um momento da realidade, a 24 quadros por segundo. Isso foi tão incrível inicialmente que os espectadores de um dos primeiros filmes, A Chegada de um Trem à Estação de La Ciotat, experimentaram pânico quando viram, num único plano, um trem se aproximar da tela. Eles realmente acreditaram que estavam prestes a ser atropelados pelo trem.

No começo os filmes não passavam de uma novidade. Mas logo os artesãos que trabalhavam com eles perceberam que essa mídia poderia ser usada para contar uma história. Aquela emoção inicial se transformou em narrativa, e o poder da edição tornou-se a força básica da linguagem cinematográfica. Surgiram os estúdios de produção, os atores começaram a ficar bem famosos, e alguns indivíduos também começaram a impor sua própria visão pessoal aos seus filmes: os cineastas.

Antes do cinema ter som, já surgiam as suas primeiras correntes artísticas: os movimentos e os estilos, por assim dizer. E de novo, o estudo deles revela algo como um grande mosaico: num país, um grupo de cineastas fazia filmes estilisticamente parecidos e com temas semelhantes, que influenciavam os filmes produzidos em outro país, que por sua vez influenciavam outros e assim por diante.

E ao longo das décadas, houve muitos movimentos: o Expressionismo alemão, que teve influência direta no nascimento do gênero terror; o cinema noir, que trouxe temas mais sombrios e personagens ambíguos ao cinema americano; o Neorrealismo italiano, que levou a câmera para as ruas e tentou retratar as angustias do pós-Segunda Guerra Mundial com temas sociais e a presença de não-atores. E esses são apenas alguns exemplos.

No entanto um deles, na minha opinião, se destacou dos demais e teve influencia maior do que todos os outros. Imagine o cenário: na França, no final da década de 1950, alguns cineastas e críticos estavam insatisfeitos com a produção do seu país. Os filmes eram considerados muito empolados, demasiado impessoais e literários. Um desses críticos, um jovem chamado François Truffaut, escreveu: “O filme de amanhã parece-me ainda mais pessoal do que um romance individual e autobiográfico, como uma confissão ou um diário. Os cineastas irão se expressar na primeira pessoa e relatar o que lhes acontecer: pode ser a história de seu primeiro amor ou de seu amor mais recente; ou de seu despertar político […] O filme de amanhã será um ato de amor”.

Essas palavras tiveram impacto, e quando esses teóricos partiram para a prática do cinema, levaram essa ideia às ultimas consequências. O ano era 1959 e de uma tacada só, o publico foi sacudido por Acossado de Jean-Luc Godard e Os Incompreendidos, do próprio Truffaut. No primeiro, Godard expunha seu amor pelos filmes americanos de detetive, mas de uma forma completamente ousada, com cortes ágeis e descontínuos e filmagem nas ruas. No segundo, que era um pouco menos ousado mas igualmente brilhante, Truffaut contava a história (parcialmente autobiográfica) de um garoto perdido no mundo que se apaixona pelo cinema e foge de um reformatório.

Eram filmes inovadores que não se preocupavam com “tramas”, mas sim com aspectos da vida que os filmes às vezes ignoravam, e com a visão de mundo pessoal dos artistas. Eles queriam revolucionar e conseguiam, mostrando uma forma livre e imprevisível de fazer cinema. Os filmes eram irreverentes e com narrativas desconstruídas, geralmente falando sobre os jovens (e para eles), e possuíam uma postura existencialista e de autorreflexão. Ao fazer isso deram origem ao que hoje se chama de Nouvelle Vague, ou Nova Onda em português.

No rastro de Godard e Truffaut vieram Alain Resnais, Agnes Varda, Eric Rohmer, Claude Chabrol, Louis Malle e muitos outros. E o impacto dessa inovação espalhou-se para outros países como os Estados Unidos (a renovação do cinema americano nos anos 1960-70 deve muito a esses filmes), Itália, Inglaterra, Tchecoslováquia e até o Brasil – afinal, não haveria Cinema Novo sem a Nouvelle Vague francesa.

Foi a Nouvelle Vague que inspirou centenas de pessoas a pegarem suas câmeras e filmarem. E muitas delas tornaram-se grandes cineastas. Os cineastas desse movimento mostraram que vale a pena romper com os paradigmas. É o ideal de liberdade, de que tudo pode acontecer num filme, o maior legado deste movimento, que extrapolou as fronteiras da França para influenciar o cinema mundial como um todo, contribuindo assim para o grande quebra-cabeça da sétima arte.