Como seria um filme de espionagem infantil? Alê Abreu utiliza elementos lúdicos para construir um filme de animação que se propõe a responder essa pergunta enquanto investe em brasilidade. “Perlimps” aposta em três elementos que cativam o público e solidificam o trabalho de seu diretor: as cores, os personagens centrais e a temática.  

Acompanhamos dois agentes secretos: a raposa Claé e o urso Bruô. Ambos estão em missão secreta por reinos rivais, o do Sol e o da Lua, para encontrar os Perlimps, seres capazes de ajudá-los a deter a força que quer destruir a floresta que habitam. Embora sejam de personalidades e origens distintas, algo maior do que a busca une nossos protagonistas.  

Uso assertivo das cores  

 

Uma das coisas mais interessantes de se observar na construção de Abreu é o quanto as cores contribuem para indicar o traço de personalidade dos personagens presentes. A cor fria em oposição a quente evidencia as características diametrais das duas crianças, por outro lado a composição visual aposta ainda em um background abstrato, como se as cores ao fundo flutuassem, dando a sensação de uma imagem quase onírica.

Os detalhes de sombras, uso de cores e a refração da luz emprestam ainda um tom de fábula ao filme, que é acentuada com uso de planos abertos no qual a sensação é de estarmos diante de uma pintura a óleo.  

Bola de meia, bola de gude🎶 

Quem também coopera para a imersão onírica é a trilha sonora. A escolha de músicas nacionais tocadas em camadas vocais além de oferecer um tom de devaneio, atrela mistério, fantasia e um quê telúrico. Quando não tem essa vibe, causa assombro tanto aos personagens quanto ao espectador 

As cores e a música, no entanto, evidenciam a solidão enfrentada por todos aqueles que almejam encontrar os Perlimps e a amplitude de sua batalha. Os diálogos entre eles são ricos em discutir questões contemporâneas pertinentes de forma lúdica e atrativa. Transforma-se a luta contra criação de uma represa em algo compreensível para qualquer faixa etária; o uso de códigos é um ponto-chave para alcançar isso, como por exemplo, a referência aos adultos e a seu mundo movido a energia bélica – “os gigantes precisam da guerra para serem gigantes”.  

Ancestralidade e cultura nacional 

O roteiro ainda adiciona como o tratamento dos adultos com as crianças molda a sua personalidade, por exemplo, parte da personalidade diametral dos dois agentes é captada de acordo com sua convivência com a família. Enquanto uma das crianças o pai nunca lhe conta histórias e por isso ela é distante de percepções histórico-sociais de sua própria natureza, a outra possui um forte apego a ancestralidade e tudo o que ela representa.  

As duas criações são fundamentais para que o espectador também entenda um pouco do plano de fundo da trama. Disse anteriormente que a obra evoca brasilidade, apesar das cores utilizadas e a música indicarem elementos caros da cultura brasileira, nada mais aponta para a forma como tratamos as nossas questões ancestrais do que a cena da cidade perdida. Ali é nítido o quanto temos vários pontos que se perdem em meio a ausência de uma memória nacional cultivada e preservada. Assim como no filme, é uma cultura que se apaga em nome do progresso. 

Esse discurso em camadas prova o quanto “Perlimps” não subestima o espectador, já que, além de mostrar tais apontamentos para o público infantil, ainda surpreende os adultos que não esperam o impacto final da projeção. A qual levanta inúmeras interpretações e possibilita reflexões mais profundas sobre a temática central, as sub questões apresentadas e os impactos socioambientais nacionais. 

Alê Abreu entrega uma produção carregada de brasilidade, de temas oportunos para o Brasil contemporâneo e que dialoga facilmente com crianças e adultos. Um filme sensível, delicado e simples que ainda indica a riqueza da animação nacional; não é à toa que Abreu é um dos poucos brasileiros a ser finalista da categoria no Oscar.