Leslie é uma jovem mãe solteira que vê a sua vida mudar ao ganhar US$ 190 mil na loteria. Mas o que seria uma mudança de vida, torna-se um pesadelo: a jovem gasta toda a pequena fortuna em noitadas, bebidas e drogas. Seis anos se passam e somos convidados a adentrar o mundo caótico, destrutivo compulsivo desta mulher que não tem perspectiva alguma de vida senão embriagar-se.

Em “To Leslie”, o mundo da personagem-título é a personificação de uma pessoa que carrega em si um caos ambulante. Destrutiva, culpada, frustrada, traumatizada, inconsciente, inconstante, impulsiva e desiquilibrada, literalmente falando.  Onde tudo e todos parecem dar as costas para ela por conta dos seus erros.

A direção de Michael Morris (conhecido por dirigir séries como “13 Reasons Why”, “House of Cards”, “Brothers & Sisters”, “Kingdom”, “Bloodline”, entre outros) entrega um filme padrão do buraco sem fim das almas atormentadas. “To Leslie” não apresenta nada de novo e extraordinário na jornada do/a herói/protagonista para a sua redenção; já vimos isso em diversas ocasiões para o bem ou mal. Toda a narrativa está em prol de Leslie, vítima de si mesma. Logo, há câmera tremida, mudanças de cores na fotografia ao longo da película, o figurino surrado representando esse abandono de si, closes em seu rosto sofrido e castigado pelos abusos, etc.

A RAZÃO DO FILME EXISTIR

O grande trunfo do filme está mesmo na força de Andrea Riseborough em cena. Ela é a representação do fundo do poço. Através da atuação dela que a história se concentra fazendo dos outros personagens totalmente irrelevantes. Ficamos angustiados, com vergonha alheia, raiva, pena desta mulher que está em cacos; nem ela mesma se reconhece, pois para ela não tinha outra vida senão ser aquilo: uma bagunça.

“To Leslie” não têm grandes sobressaltos, pois foca na construção da liberdade de si mesma. Apesar dos embates me parecerem em certos pontos artificiais para justificar o passado e do porquê a tratam daquele jeito. Afinal, ela é uma pessoa doente. Estes embates estão aqui representados pelo filho, o jovem traumatizado James (Owen Teague), e amigos do passado que tem como único fator levar Leslie ao mais fundo do poço da culpa ao apontar o dedo nas feridas inflamadas, como Nancy (Allison Janney, ótima como sempre), Dutch (Stephen Root) e Pete (James Hébert).

Cabe à Sweeney (Marc Maron) acreditar no poder da mudança dessa mulher que rouba, mente compulsoriamente e não tem compromisso algum senão estar embriagada e fora da realidade para se alimentar de alguma forma para continuar viva. Cenas como quando ela é humilhada em um festejo regional ou quando se humilha para homens lhe pagar bebida podem ser gatilhos, pois é uma vida angustiada e dolorosa.

Agora, vamos à polêmica…

Muito se tem discutido sobre a indicação surpresa de Andrea Riseborough ao Oscar de Melhor Atriz sem sequer ser lembrada nas premiações anteriores. Sua indicação, sem qualquer tipo de incentivo milionário na corrida política para os prêmios da Academia, caiu como uma bomba no mundo cinéfilo e na própria instituição.

Veja bem, a indicação foi feita por boca a boca, os próprios atores se uniram em favor de Riseborough. Kate Winslet, por exemplo, disse que é a melhor atuação que viu na vida. Exageros à parte da atriz, o fato é que ela abocanhou uma vaga e nomes como Viola Davis (“A Mulher Rei”) e Danielle Deadwyller (“Till – A Busca por Justiça”), fortes na corrida e sempre entre as finalistas nas premiações anteriores, ficaram de fora. Culpa de Andrea?

Não!

Culpa do sistema que precisa mudar. As politicagens do Oscar são abertamente por lobbys (alô Harvey Weinstein!) e o fato dos próprios atores se unirem em prol de um nome bom, mas fora do meio mainstream como de Riseborough e do próprio “To Leslie”, um filme indie que orçamento mínimo, coloca em discussão um possível novo modelo de campanha.

Mas aí, eu pergunto: campanha para quem? Vejamos, todos os artistas envolvidos na polêmica campanha são brancos que beneficiaram uma artista branca. Ok. Será que eles teriam ou terão a mesma disposição para defender com tanta paixão e veemência um ator e atriz negros, amarelos, latinos ou em corpos fora do padrão?

A ver.

O fato é com toda essa artimanha política hollywoodiana, descobrimos um bom filme indie fora do radar acerca de vícios, virtudes e redenção. E, para além disso, uma ótima oportunidade para conhecer o trabalho da sempre excelente Andrea Riseborough (“W.E. – O Romance do Século”, “Amsterdam”, “Birdman”, “Matilda: O Musical”), para citar alguns tantos na diversificada filmografia da britânica que tem carreira bastante interessante e atuações sempre acima da média, “To Leslie” não fica atrás. O filme só vale por ela.