Um passo de cada vez. Velho esse ditado, não? Se resiste tanto ao tempo, deve ser porque faz sentido.

Christopher Nolan obedeceu esse conselho e se tornou um dos maiores diretores da atualidade em Hollywood. Começou com um suspense de baixo orçamento muito bem construído (“Amnésia”) e evoluiu ao longo do tempo até chegar no complexo e intrincado “A Origem”.

Já o diretor de fotografia de Nolan, Wally Pfister quis iniciar a trajetória como cineasta por um caminho mais ousado. Resolveu aceitar dirigir uma ficção científica com grande elenco (Johnny Depp, Morgan Freeman, Rebecca Hall, Paul Bettany), orçamento de US$ 100 milhões, o amigo e famoso cineasta como produtor executivo, história aparentemente inteligente. Seria uma obra perfeita para começar bem a carreira.

Só que não aconteceu como o planejado. “Transcendence” nada mais é do que uma bagunça completa, erro na carreira de todos os envolvidos, fracasso nas bilheterias mundiais e detonado pela crítica especializada. Intenções boas, entretanto, não faltaram para a obra ser um grande projeto.

Roteirizado pelo estreante Jack Paglen, o filme traz a história de Will Caster (Depp), cientista responsável por desenvolver o primeiro computador com consciência. Após uma apresentação, ele acabou sendo baleado por fundamentalistas religiosos e morre. A esposa dele, Evelyn (Rebecca Hall), segue com o projeto e resolve inserir a mente do falecido na máquina. Will acaba revivendo e fica cada vez mais inteligente, sendo capaz de encontrar curas para doenças e desenvolver novas tecnologias. Porém, essas mudanças trazem efeitos inesperados.

A sinopse de “Transcendence” até promete ideias interessantes para uma ótima ficção científica como o obscurantismo sendo capaz de impedir o avanço da ciência, os limites da tecnologia, inteligência artificial e a irracionalidade do ser humano com os recursos naturais. Os primeiros 30 minutos aparentam certa capacidade de desenvolver o assunto, pois, Pfister adota um ritmo mais lento ao se concentrar nos diálogos e construção dos personagens do que investir na ação. Como não poderia deixar de ser, a fotografia do filme traz belas imagens e percebe-se uma vontade de emular Nolan em passagens com narrativas em off com imagens em câmera lenta. Até mesmo a dispensável narração do personagem de Paul Bettany não chega a incomodar.

Tudo se agrava com o passar do tempo e as soluções absurdas encontradas pelo roteiro para desenvolver a trama. A construção do espaço para abrigar o laboratório do protagonista chega a soar tola para um filme que tenta se inserir como possível nos nossos dias. Afinal de contas, como se cria toda aquela estrutura sem nenhum órgão governamental em pleno EUA averiguar? A situação se complica ainda mais quando aborda a questão dos realizadores do atentado fatal a Caster. Se no começo de “Transcendence” são terroristas capazes de causar a morte de dezenas de pessoas, logo estão ao lado do FBI e prontos para combater o vilão. A solução criada pelo roteiro ao conflito que permeia a parte final do longa traz a impressão de que tudo não passou de um mal entendido, sendo possível de ter sido resolvido em uma breve reunião para explicar melhor a proposta do protagonista.

Como se a trama ruim não bastasse por si só, “Transcendence” ainda resolve contar com atuações abaixo da crítica de boa parte do elenco. Morgan Freeman parece querer arruinar a reputação de grande ator com mais essa bomba no currículo, enquanto Paul Bettany faz cara de paisagem a obra inteira, talvez desejando encontrar uma boa comédia romântica como nos velhos tempos. Cillian Murphy faz questão de continuar sendo o coadjuvante sempre disposto a quebrar um galho; já a revelação de “House of Cards”, Kate Mara, somente pode fazer caras de lunática. Se Rebecca Hall dá pena ao se esforçar para transmitir alguma credibilidade e drama para Evelyn Caster, Johnny Depp está apático e mostra o quanto precisa se afastar das telas para uma renovação completa na carreira.

Pfister quis começar a carreira com um longa pretensioso e quebrou a cara. Sobrou coragem, faltou competência para levar o projeto à tela e aparar os problemas narrativos. Não dá para colocar a carreira dele em xeque por um fracasso e seria bom vê-lo novamente com um roteiro melhor em mãos.

E nunca esquecer: um passo de cada vez.

NOTA:4,5