Possa ser que não venha nada a mente de imediato quando você lê o nome Makoto Shinkai, mas seus traços delicados e precisos para registrar detalhes momentâneos e sua narrativa envolvente conquistaram o mundo em 2017 por meio de “Your Name”.

Com poucas produções em longa-metragem, Shinkai tornou-se popular e conseguiu ultrapassar em termos de arrecadação “A Viagem de Chihiro” com a história dos adolescentes que acordam com corpos trocados. A popularidade do diretor ficou tão em alta que há quem o compare a Hayao Miyazaki. Certo é que, para nós apreciadores da sétima arte, há lugar para ambos e quanto mais interessante forem suas produções, mais contentes ficaremos.


O cinema de Shinkai

O mangaká estudou literatura japonesa na Universidade de Chuo, o que ajuda a explicar um pouco do fascínio oculto em suas obras. As narrativas de Shinkai são simples e costumam ser calcadas na relação de distância, saudade e conectividade. É na maneira simplista a qual desenvolve seus arcos narrativos que se descobre inusitadamente a magnitude de suas obras. E isto fica nítido diante da fotografia detalhista dos animes.

Há a impressão de realmente estar dentro daquela imagem, uma sensação palpável, semelhante ao trabalho feito por Roger Deakins em Blade Runner 2049. O que pouco se sabe é que há similaridades no pensamento estético dos dois realizadores.

Deakins revelou em entrevistas sua inspiração na arquitetura e em seu nicho fotográfico para criar de forma mais tangível e plástica os cenários de Villeneuve. Shinkai, por outro lado, tem por costume fotografar paisagens do Japão, com o objetivo de captar detalhes que possam ser percebidos em suas animações. Tal apreço auxilia na criação de cenários realistas. Não à toa suas obras mais recentes e que tem Tóquio como ambientação, especialmente, conseguem transmitir detalhes das construções. Os traços são tão minuciosos que é possível enxergar as rachaduras nos prédios.

Mas não é apenas o urbano com suas cores, luzes e sombras que os pormenores do desenho de Shinkai se destacam. Arrisco-me a dizer que a beleza de seus traços está no modo como escolhe e expõe aspectos corriqueiros da natureza em planos detalhes, como a queda das flores de cerejeira, as gotas de chuva formando poça d’água ou nas divisões em folhas de árvore. Cada traço é rico e contribui para a construção deslumbrante e envolvente do universo narrativo de Shinkai.

A maneira como o diretor aborda a sensação de nostalgia, distância e ausência são únicos, vão consumindo e preenchendo o público. Diferente de Satoshi Kon, que traz temas difíceis de digerir, as animações de Makoto Shinkai carregam uma psicologia sutil, cheia de conflitos humanos e identificáveis. O diretor trabalha usualmente com a ideia dos sentimentos não ditos, seus personagens falam mesmo que sem palavras.


Para que entender Shinkai?

Algo em comum nas principais obras do mangaká é a questão do espaço e tempo. Em “Your Name”, Taki e Mitsuha vivem em tempos diferentes, o mesmo ocorre com Mikako e Noburo, em “Vozes de uma Estrela Distante”, e com os três amigos que protagonizam “Um Lugar Prometido em Nossa Juventude”. Mesmo quando há uma explicação que endosse os motivos para que esse universo funcione assim, esse é o conceito que influencia diretamente a condução narrativa. Em outras palavras, não haveria trama sem o tratamento dado ao espaço e tempo.

Dentro dos conceitos e sensações abordados nos animes, há sempre a presença dessas inquietantes coordenadas que mexem não apenas com o decorrer da narrativa, mas com o entendimento do público. Isso ocorre porque a noção de espaço e tempo para a cultura japonesa, e para o oriente de forma geral, é diferente de como a cultura ocidental enxerga.


A temporalidade oriental

A concepção de tempo no leste asiático foi construída nas transformações da natureza e nos ensinamentos religiosos. Partindo-se desse pressuposto, toma-se duas vertentes budistas para discutir a questão do tempo, a primeira apresenta o espaço-tempo como vazio, e sua distância temporal como a espacial é apenas uma forma de manifestação da realidade. A outra vertente expõe a unidade do universo como uma forma de manifestação do tempo, no qual o passado, presente e futuro são eternos. Essas duas vertentes trazem uma noção de tempo infinito e que segue em linha reta.

No livro “Tempo e Espaço na Cultura Japonesa”, Shuichi Kato aponta três conceitos de tempo. O primeiro se refere ao tempo cíclico, sem um começo nem um fim definido. Não há um agente causador para a condição em que se encontram e tudo indica que tanto o afastamento quanto a aproximação são espontâneas. Isso ocorre em Vozes de Uma Estrela Distante, em que a distância não é apenas espacial, mas temporal, também. Não há nada que indique o fim da condição em que se encontram, pelo contrário, isso está tachado a ocorrer continuamente.

Outra concepção de tempo japonesa é baseada nas estações do ano. Esse conceito é de origem cultural e perceptível em algumas obras como O Jardim das Palavras e Cinco Centímetros Por Segundo. Em ambas, a conexão dos personagens é alimentada pelo decorrer das estações. O encontro entre Yukino e Takao só é possível por conta da estação das chuvas em Tóquio e isso incentiva para que os dois fujam do “espaço” que ocupa suas realidades. Assim como Montauk era o ponto de fuga e encontro em “Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças“, o jardim em dia de chuva era a fuga da existência opressora e a certeza do reencontro. Da mesma forma que ano após ano o ciclo haveria essa estação, também haveria a repetição de seus momentos.

E então ele apresenta uma terceira concepção de tempo: o ciclo da vida. Um tempo com sentido linear de início e fim. Sua divisão é dada por três etapas: mocidade, maturidade e senilidade. É uma linha temporal sem volta, que não pode ser vivida novamente. Seguindo um sentido linear, o tempo da vida pode estabelecer uma relação causal entre os acontecimentos. É o que acontece levemente em Cinco Centímetros Por Segundo, quando vemos o desenvolvimento da relação entre Takaki, Akari e Kanae, desde a infância até a vida adulta. O tempo não deixará de transcorrer pelas intempéries que os impedem de ficar juntos, pelo contrário, ele continuará fluindo e auxiliando na distância e ausência criada entre eles.


O Agora

Apesar das diferenças entre os três tempos, eles apresentam uma característica comum, que é a ênfase do “agora”. O “agora” pode se tornar o centro da realidade no eixo do tempo, pois o tempo flui infinitamente e dificilmente é captado. O que se aprende é o “agora”. Isto implica na vivência simplesmente do imediato. Por isso, os japoneses enfatizam a sua vida no momento presente. Todos os filmes de Shinkai trazem essa abordagem, mesmo que ele coloque a passagem de tempo como liga de todas as suas produções.

Em “Your Name”, o diretor discute abertamente a visão temporal japonesa, Taki está preso as suas experiências em Tóquio, enquanto Mitsuha em Itomori. O que importa a eles é o momento em que vivem e a rotina, por isso é tão impactante quando o primeiro plot twist é apresentado. Contudo, não se pode esquecer que é dentro dessa obra que Shinkai define sua percepção de tempo, por meio das palavras da avó de Mitsuha, o tempo é personificado como fios trançados, que vão se juntando e ganhando forma. “Eles se torcem e embaraçam Às vezes retornam, impedindo, então que se ligam novamente. Isso é o Tempo.” Assim, o tempo é algo não linear, que sempre pode enroscar e retomar o caminho perdido, “ir de volta para casa”. Neste processo, há uma convergência entre o passado, presente e futuro, salientando a visão budista de tempo não linear.


Pensar sobre o tempo dentro da narrativa

É interessante contemplar as produções japonesas e observar o quanto o tempo influencia na cultura e na construção cinematográfica. Como as obras não se calcam na ideia de passado ou futuro, mas apenas no que é momentâneo. Shinkai coloca de forma orquestral esse conceito. Seus personagens vivem o imediato e encontram no tempo subjetivo a proximidade com as memórias e o passado, dentro de uma noção de continuidade. Assim, as obras japonesas terminam com a sensação de que continuarão. Como se aquele fosse apenas um episódio isolado cotidiano; não à toa é na troca de olhares dos personagens e as músicas finais que os créditos sobem e imaginamos quais serão seus próximos passos, é só observar o tempo que podemos imaginar.