Ah!!! Steven Spielberg! Olhar para filmografia do cineasta para encontrar grandes filmes é tão fácil quanto tirar pirulito de criança. Dono de um repertório de filmes memoráveis, ele deixou um legado de obras-primas que marcaram gerações, como também décadas do cinemão americano. Não é qualquer diretor que em uma só tacada realizou trabalhos primordiais no período de 1976 a 1981 como são os casos de “Tubarão”, “Contatos Imediatos de Terceiro Grau”, “Os Caçadores da Arca Perdida” e “E.T – O Extraterrestre”. Esse quarteto de filmes foi seguido quase sucessivamente um do outro, se não fosse por “1941 – Uma Guerra Muito Louca” lançado em 1979, uma sátira cômica sobre a Segunda Guerra Mundial, e um dos trabalhos menos inspirados do diretor, ainda que tenha seus momentos de diversão.

Da metade da década de 70 ao início da seguinte, Spielberg consolidou-se como o Mago da Fantasia. Por isso, na metade da década de 80, ele tentou mudar esta alcunha perante a crítica (a de ser visto como um mero cineasta de entretenimento) e ser reconhecido como um diretor maduro capaz de dirigir filmes “adultos”. Neste período saíram os indicados ao Oscar “A Cor Púrpura” e “O Império do Sol”, ambos debatendo, respectivamente, temáticas mais sérias como o racismo e a Segunda Guerra Mundial. Se o público e a crítica começaram a vê-lo por uma outra ótica –  separando-o da imagem de um eterno “Peter Pan” – o cineasta aproveitou este momento de reconhecimento pós-Oscar para desenvolver trabalhos mais leves, espontâneos e delicados.

É neste período que ele dirigiu, no mesmo ano, a terceira parte do arqueólogo mais famoso do cinema, “Indiana Jones e a Última Cruzada” (o mais familiar e simpático da franquia), e “Além da Eternidade”, filme o qual assumo que sou grande defensor, atuando como um verdadeiro advogado social na defesa dos incompreendidos e que busca os mais variados argumentos para defender este injustiçado trabalho. Sim, ele é um “água com açúcar” convencional – único trabalho do cineasta no gênero romance – mas que não deixa de ser um eficiente trabalho escapista, uma fantasia romântica espiritual honesta e bem dirigida pelo diretor.

Richard Dreyfuss é o piloto Pete Sandich, um sujeito que trabalha no combate de incêndios florestais pelo corpo de bombeiros. Ele ama o seu trabalho mesmo que isso coloque sua vida em risco, o que para sua namorada Dorinda (a adorável Holly Hunter) é quase um suicídio intencional. Em uma destas missões, após salvar a vida do amigo Al (John Goodman), Pete morre numa explosão, deixando sua namorada inconsolável. Mesmo morto, ele recebe a incumbência celestial do anjo Hap (a musa angelical Audrey Hepburn) de virar o anjo da guarda do jovem piloto Ted (o canastra Brad Johnson) e tendo uma segunda chance para resolver suas “pendências espirituais” na terra.

No fundo, a trama de “Além da Eternidade” se assemelha muito à de “Ghost – Do Outro Lado da Vida”. Por uma desta situações estranhas, ambos foram lançados no cinema com a diferença de um ano. Enquanto o trabalho estrelado por Swayze foi um grande sucesso comercial, no qual o público comprou a ideia do amor além da vida, o filme de Spielberg foi um verdadeiro fracasso. O tempo também não foi nada agradável com o filme, que acabou entrando em um “limbo de esquecimento” (assim como o personagem de Dreyfuss) na filmografia do diretor. Muita gente lembra de “1941 –Uma Guerra Muito Louca”, “Amistad” e “O Terminal” (outro filme que já ganhou sua defesa aqui no site) para meter o pau, mas geralmente esquecem de “Além da Eternidade”. É como se ele fosse tão insignificante que nem vale a pena lembrar.

Desta maneira podemos dizer que é o “Ghost” de Spielberg em formato de aventura, afinal há diversas cenas de aviões em ação (uma paixão do cineasta como já visto em outros dos seus trabalhos). E começo por ressaltar a minha primeira defesa a este trabalho: executa com maestria o enredo de amor espiritual, sem jamais ficar refém do melodrama barato, investindo na leveza e sensibilidade. Na verdade, não faltam emoções de boa qualidade em mexer com os sentimentos do espectador, algo que Spielberg é mestre neste quesito, seja em qual gênero a sua obra está inserida.

Ele também acerta nas reflexões mais relevantes do filme, no caso, a importância do nosso acerto com aqueles que ficaram e de renunciarmos ao nosso amor para finalmente darmos paz àqueles que sofrem com a nossa partida. E por fim a reflexão que melhor ilustra a essência deste trabalho: para termos liberdade devemos dar liberdade aos outros, elemento este explorado no filme de forma singela.

Outro argumento a favor é que, pessoalmente, acho um dos melhores trabalhos do diretor do ponto de vista estético, de uma riqueza visual fascinante, repleto de transições que exploram fogo e o céu,  tons brancos e azuis, simbolismos dentro da narrativa que casam perfeitamente com a temática de vida e morte proposta pelo roteiro. São elementos que indicam o quanto Spielberg entende da linguagem cinematográfica, principalmente pela utilização da bela trilha instrumental de John Williams (sim, ele de novo) e da fotografia marcante de Mikael Salomon.

E também não faltam belos momentos e cenas, com o padrão de qualidade do cineasta: a sequência que o espírito de Peter dança com Dorinda é genial, assim como a conversa de despedida de ambos no avião é de uma sensibilidade e delicadeza pura, sem jamais soar piegas.

Vale ressaltar a performance de Dreyfuss (em sua terceira contribuição com o diretor), que beira o carisma, e seus momentos com Holly Hunter são excelentes graças à química entre eles.  Assim como aconteceu com Truffaut em “Contatos Imediatos”, Spielberg consegue a proeza de colocar a Bonequinha Hepburn em sua última aparição no cinema como um anjo. O único porém é o roteiro esquemático (seja nos diálogos românticos bobos, seja nas tiradas cômicas que nunca funcionam) e a atuação canastra (e fraca) de Brad Johnson como parte do triângulo romântico.

No geral, ainda que modesto, “Além da Eternidade” é um melodrama amoroso, cujo diferencial é a qualidade do material. Hora de tirar este trabalho do limbo do esquecimento na filmografia de Spielberg para ser redescoberto. Um filme simples e emocionante, que não exige muito do espectador, apenas que desfrutemos do belo romance entre Peter e Dorinda. Ela, por sinal, diz a seguinte frase em um determinado momento do filme para Peter: “Kiss me and fly”. Como encerramento desta defesa para o filme, faço a seguinte proposta ao júri deste tribunal: é a hora de abraçamos “Além da Eternidade” e viajarmos neste singelo conto de amor assinado por Spielberg.