Vi na escala do Cine Set que teria que ver Brasil x México no cinema e dizer como é a experiência.

Que coisa!

Já tinha ouvido falar que em São Paulo é uma atividade comum assistir a importantes partidas esportivas dentro da sala de cinema, mas foi apenas nessa Copa do Mundo que vi que existia essa possibilidade aqui em Manaus.

Admito que não sabia se ficava ou não empolgado com a ideia. Sei lá, poderiam acontecer muitas coisas, né. Quem seriam as pessoas que iriam pagar R$ 25 para ver um jogo no cinema? Aliás, será que daria alguém lá? Como se comportariam? Em que canal o jogo seria exibido? Nossa, já pensou se fosse na Band? Assistir a um jogo do Brasil comentado pelo Neto, com aquelas potentes caixas de som do Cinépolis da Ponta Negra, deve ser algo de cortar os pulsos, logo nos primeiros 15 minutos…

Ah, pensei, se o Gay Talese conseguia matérias sensacionais sobre pessoas comuns em Nova Iorque, não é possível que em um jogo de Copa do Mundo eu não consiga nada de interessante.

Tentei convencer pessoas a ir comigo. Convidei bastante gente. Tentava embalar a experiência num papel brilhante, cheio de desenhos coloridos, “vamos, vai ser incrível, imagina ver o jogo naquela sala, com aquela tela daquele tamanho, deve ser inesquecível, coisa e tal”.

Só a Jéssica, minha namorada, aceitou.

Depois de ver a decepcionante estreia da Bélgica, saímos de casa. O Shopping Ponta Negra fica perto do Fan Fest, por conta disso pegamos um engarrafamento promissor na avenida Brasil.

Não era nada empolgante ver a expressão da Jéssica. Haha. Ela nem é tão fã de futebol, ir ao cinema e pagar um ingresso caro pra ver um jogo, era uma coisa que com certeza não estava em seus planos.

Mas o engarrafamento passou, vimos uma movimentação relativamente grande na entrada do shopping, e nos animamos um pouco mais.

Tudo isso para, cinco minutos depois vermos um shopping às moscas: 90% das lojas estavam fechadas, nem todas as lojas de alimentação estavam abertas. Um cenário bem desolador que prometia uma roubada histórica, um daqueles micos pra igualar um recorde pessoal meu, do réveillon de 2009, quando eu e mais três amigos andamos pela madrugada por algumas horas, para chegar em um bar que estava fechado.

Quando uma série longa de déjà-vus bizarros passavam pela minha cabeça, a moça da recepção do Cinépolis pede pra que eu escolha um local na sala e, para a minha surpresa, mais da metade dos lugares já estavam ocupados.

Que bom, pensei, pelo menos não estaríamos sozinhos ali.

Chegamos na sala faltando vinte minutos pro jogo começar. Sala quase vazia. Estranho chegar na sala de cinema sabendo que não vou assistir a nenhum filme, sei lá, fez com que eu me lembrasse do dia que fui visitar a fábrica da Coca, nem sei porquê. Talvez porque parecesse uma excursão estranha.

Assim que sentei na cadeira, vi o Galvão Bueno divertindo-se a beça com os bonecos de Olinda do Casagrande e do Arnaldo César Coelho.

Jogo na Globo.

Ah, se abstrair, vai.

Sala ainda iluminada. Pessoas ainda chegando. A roubada parecia meio desenhada. Aquilo não tinha clima de jogo, sei lá, um clima meio frio, desinteressado.

As pessoas continuaram a chegar, mas silenciosamente. Pela primeira vez na vida fiquei incomodado com o silêncio na sala de cinema.

Aí, as luzes se apagaram. As seleções foram entrando em campo. As pessoas foram chegando rapidamente, uns barulhentos estavam com aquelas buzinas insuportáveis. E… as coisas mudaram de figura.

A imersão que aquela tela te proporciona é algo realmente mágico. Estava dentro do jogo (literalmente, ou não), vendo uma partida de futebol de uma maneira que nunca havia experimentado, com uma tela de mil polegadas, com um som fantástico!

Aquilo me animou, o hino nacional cantado a plenos pulmões também e, finalmente, pude me sentir privilegiado por aquela experiência. Ri sozinho pensando no que falaria pros meus amigos que recusaram o convite: “bando de lesos, foi uma experiência incrível, suas telinhas de 42 polegadas nem se comparam com a tela de cinema, morram de inveja”.

Mas o jogo foi rolando, o público permanecia tímido, o Brasil não mostrava nenhuma pujança bolística e as coisas foram novamente mudando de figura. Em um lance ou outro mais agudo do time, as pessoas se manifestavam, gritavam, mas logo depois se calavam novamente, pra apreciar a partida. Até a buzina se calou. Só a Jéssica, que desde o lance do Neymar mostrou-se nervosíssima, xingando o Fred de todas as formas. Mas ela estava sozinha com a sua emoção.

Lembrei-me, então, de quando um dos meus amigos convidados, assim que questionado se iria para o cinema, questionou: “lá vai poder beber?”. E isso pode resumir bem o clima da coisa. A tela de cinema exibindo a cabeçada do Neymar para a defesa monstruosa do Ochoa, é sensacional, vemos os poros dos jogadores, mas, por incrível que pareça, essa atmosfera nos inibe, nos intimida, nos obriga a ficar apreciando uma obra de arte, a ficar assistindo educadamente a partida.

Falta o clima sujo do estádio, de um invadindo o espaço do outro, do abraço na hora do gol, dos xingamentos ao árbitro e ao treinador. Senti falta, até mesmo, do clima do bar, daquelas pessoas ébrias gritando sem pudores, sentadas em banquinhos desconfortáveis, flertando com as moças que passam.

A experiência de assistir a esse filme na sala de cinema pode ser comparada ao que foi o jogo entre Brasil e México: teve o seu valor, despertou nossa emoção, mas ficou faltando algo. Faltou o imponderável, aquilo que não explicamos, a sujeira do sanduíche do bar ou do estádio, aquele abraço do estranho que se torna nosso grande amigo durante o gol enquanto grita alguma coisa sem sentido no nosso ouvido.