“Cérebro!”: esta é a primeira palavra na boca dos zumbis de A Volta dos Mortos Vivos, logo após a ressurreição. Eles acordam famintos e falantes, e alguns até correm, antecipando o zumbi corredor de Madrugada dos Mortos (2004) em quase 20 anos. O cultuado filme B dos anos 1980, que está celebrando 30 anos de seu lançamento, começou como um projeto normal de uma continuação de A Noite dos Mortos Vivos (1968), do cineasta George A. Romero. Mas nas mãos do roteirista/diretor Dan O’Bannon, falecido em 2009, o projeto se transformou numa divertida homenagem/paródia do gênero e num dos cult movies dos anos 1980.

O’Bannon não era o tipo de sujeito que levava tudo muito a sério. Hoje ele é mais lembrado como roteirista do clássico Alien: O Oitavo Passageiro (1979), trazido às telas por Ridley Scott. Mas O’Bannon, de certa forma, já havia tentado fazer Alien antes, em forma de deboche, com Dark Star (1974), que foi dirigido por seu amigo John Carpenter. Em muitos dos seus trabalhos como roteirista – já que ele dirigiu apenas um filme além de A Volta dos Mortos Vivos – nota-se um espírito brincalhão, uma vontade de divertir a plateia e de subverter as expectativas.

E A Volta dos Mortos Vivos não é sério. Já começa pelo texto inicial que diz: “Os eventos retratados neste filme são verdadeiros. Os nomes pertencem a pessoas e organizações reais”. Um aviso desses logo no início de uma trama com detalhes obviamente fictícios já demonstra uma disposição de brincar com a percepção do público – e, claro, alguns devem ter acreditado… Enfim, a história começa num enorme depósito de suprimentos médicos. O funcionário mais velho, Frank (o divertidíssimo James Karen), está treinando o rapaz novo, Freddy [Thom Matthews, também lembrado pelos fãs de terror pelo papel de Tommy em Sexta-Feira 13 Parte 6: Jason Vive (1986)]. Para impressionar Freddy, Frank conta a história do mais estranho item já visto no depósito: no porão do lugar, conservado num tambor, está um dos cadáveres reanimados que participou do incidente que deu origem a A Noite dos Mortos Vivos – de acordo com Frank, o filme foi “baseado em fatos reais”.

Não demora muito e os dois bocós vão ver o tambor, acontece um acidente e um gás de dentro da lata é liberado. Esse gás se espalha e começa a reanimar os mortos. E há um cemitério próximo, onde os amigos de Freddy estão relaxando enquanto esperam pela sua saída do trabalho. Logo uma assustadora confusão tem início, com consequências mortais para os funcionários do depósito, o chefe deles, Burt (Clu Gulagher), um funcionário do necrotério (Don Calfa) e os jovens amigos de Freddy. A situação piora cada vez mais, com o número de zumbis aumentando, todos muito famintos por cérebros vivos, mas no lado do tanque há um número do exército, para o qual se deve ligar “em caso de emergência”

Desconfiança das autoridades é característica constante de muitos cineastas que iniciaram as carreiras nos anos 1970 – afinal, foi a época do escândalo de Watergate e da renúncia do Presidente Nixon. Na trama do seu filme, O’Bannon ri de todo mundo: da “iniciativa privada” do cidadão comum que tenta resolver com seu “jeitinho” um problema para o qual não está preparado; e do governo, cuja resposta à crise dos mortos-vivos é burocrática, insensível e, no fim das contas, incapaz de resolver a situação. Os zumbis parecem mais organizados: em dado momento, um deles alcança o rádio de uma ambulância e, numa cena até hoje citada pelos fãs do filme, diz: “Mandem mais paramédicos!”.

No entanto, essa visão crítica da autoridade, uma espécie de herança ideológica dos filmes de Romero, fica em segundo plano no filme. O objetivo de O’Bannon é divertir o publico, fazê-lo rir e deixá-lo enojado alternadamente com cenas inesquecíveis com zumbis. É impossível não rir de cenas como a do cachorro cortado ao meio, ou quando Frank, Freddy e Burt descobrem que o morto-vivo reanimado não morre com um golpe na cabeça – “Quer dizer que o filme era mentira?”, a frase do incrédulo Freddy diante da situação é engraçadíssima e representa também um comentário metalinguístico sobre seu gênero, uma década antes de Pânico (1996) fazer o mesmo com os filmes de matança.

Os atores transmitem empolgação e parecem estar se divertindo muito – num aparte, este foi o filme que transformou a atriz Linnea Quigley numa das mais famosas “rainhas do grito” da história recente do terror, e a cena do seu strip-tease no meio do cemitério a catapultou para a fama dentro do cinema B. E os efeitos também são muito bons, ainda mais se considerando o orçamento limitado da produção: até hoje a maquiagem do zumbi “Tar Man”, dissolvido pela conservação no tambor, é uma das melhores da história do gênero – é ele também o primeiro a dizer “Cérebro!” para uma vítima humana em potencial. A cena da ressurreição dos mortos-vivos, com a câmera mostrando-os escalando por baixo da terra, consegue, com o auxílio de fusões na montagem, criar um momento icônico do terror dos anos 1980.

É muito difícil combinar de forma eficiente os gêneros terror e comédia. Também é igualmente difícil encontrar novas formas de contar velhas histórias, usando velhas caracterizações e tramas e monstros, e fazê-los parecer frescos aos olhos de uma nova plateia. A Volta dos Mortos Vivos é bem sucedido em ambos os aspectos: consegue fazer rir e assustar, e foi marcante, dentro da sua época, pelo tratamento diferenciado do mito do zumbi. Não à toa, no mesmo ano de 1985, George Romero lançou o terceiro filme da sua (até então) trilogia apocalíptica, Dia dos Mortos. No entanto, A Volta dos Mortos Vivos acabou fazendo mais sucesso que o filme de Romero, e até hoje é confundido por alguns espectadores como parte da franquia de zumbis do icônico diretor. Num caso clássico de aluno superando o mestre, com A Volta dos Mortos Vivos, Dan O’Bannon mostrou que a única limitação verdadeira, quando se trabalha com cinema de gênero, é a limitação da criatividade. É preciso ser criativo para juntar na mesma história humor e terror, crítica e deboche, personagens desmiolados e outros que querem comer cérebros. E é por causa dessa criatividade, e dessa visão, que o filme diverte há 30 anos.