“Você não sabe nadar, você afunda”

A importância do esporte para a construção social é algo interessante. A prática, entre tantos benefícios, conduz ao desenvolvimento psicomotor e libera os chamados hormônios do bem. Especialmente, se a atividade física for praticada em grupo. Com esse ponto de partida, Gilles Lellouche (“Os Infiéis”) desenha “Um banho de vida” que utiliza o nado sincronizado para tratar sobre a depressão. O filme arrebatou 10 indicações ao Cesar, conquistando a estatueta de ator coadjuvante para Philippe Katerine.

Lellouche reúne grandes nomes do cinema francês contemporâneo para contar a história de um grupo de homens desajustados, mal resolvidos e problemáticos que encontram forças para combater seus males na piscina. Primeiramente, o público é apresentado a Bertrand (Mathieu Amalric). Um homem afundando em uma depressão, que não trabalha a dois anos. Sua vida é monótona e sem motivação, até que lê um cartaz que o conduz ao clube de nado sincronizado masculino da piscina municipal.

No primeiro momento, é importante entender a construção do personagem: Bertrand tem muitas angústias e questionamentos internos, relacionados a sua patologia, e não consegue expressar-se. Algo que pode ser comprovado por meio de seu relacionamento com a própria família: tem o ódio do filho, o silêncio da esposa e a amenidade da filha e dos outros familiares. Mas essa incompletude não se resume a Bertrand.

Todos os membros do clube de nado sincronizado possuem conflitos pessoais. Muitos deles relacionados a crises de meia idade. Laurent (Guillaume Canet) não aceita a gagueira do filho e lida com uma mãe mentalmente instável; Marcus (Benoît Poelvoorde) é um empresário falido e vive de aparências; Simon (Jean-Hugues Anglade) é um cantor frustrado, com 18 álbuns gravados e nenhum sucesso. Soma-se a suas narrativas a de Thierry (Philippe Katerine), o qual tem um bom coração, mas falta malícia para encarar o mundo e Delphine (Virginie Efira), a treinadora que tem problemas com vício. O time ainda é composto por outros dois personagens que não são trabalhados – um deles o único negro do elenco.

Aqui,, o esporte e a piscina servem como libertação para os personagens. A água representa uma fuga e um lugar de fluidez para a vida problemática que estes possuem fora de suas atividades esportivas.  O treino de nado sincronizado torna-se um encontro terapêutico. As decepções são compartilhadas no vestiário, na sauna, no bar. Como se todos eles estivessem afundando juntos, buscam refúgio entre si para resistirem e darem sentido a suas vidas. O que, na verdade, é o sentido de um time de qualquer esporte: ser como uma grande família.

As mãos de Lellouche

O diretor, que também assina o roteiro, equilibra os dramas pessoais com uma comédia leve e familiar. Trabalhando com figuras tão importantes para o cinema francês atual é um trunfo seu o entrosamento deles e o desprendimento para situações que vão do drama a momentos de vergonha alheia.

Já como roteirista uma de suas principais vantagens foi acertar precisamente nos diálogos. Eles são sagazes e mesmo com poucas informações conseguem desenhar as particularidade de cada personagem e conduzir o público a compreender seus conflitos e hesitações.

O olhar de Tangy

A fotografia de Laurent Tangy é importante para acompanhar o processo de desilusão até o banho de vida dos personagens. Na primeira hora do filme, os tons azuis são predominantes e estão sempre presentes. Seja na arquibancada, na piscina a ser vendida, na cor da parede ou o figurino. Entretanto, conforme os personagens vão evoluindo, há um cuidado na transformação visual. O azul vai dando espaço as cores quentes.

O fotógrafo faz uso de planos conjuntos e médios de modo a sempre colocar o time enquadrado juntos, como nos retratos de família. Isso é notável a cada interação entre dois ou mais personagens da equipe de nado. Já ao apresentar suas narrativas particulares, a câmera os acompanha em mãos e há uso de planos mais fechados.

Um Banho de Vida termina de forma previsível, mas consegue mostrar que a amizade e a concentração em um objetivo podem dar um novo sopro de existência. Algo que o esporte personifica. Lellouche entrega um filme leve, divertido e que faz você torcer por quem está na tela. Além de trazer diálogos memoráveis e uma trilha sonora digna de lembrar o programa de rádio de Fezinha Anzoategui.