Embora alguns diretores como Joe Wright, Marc Forster e o próprio Steven Spielberg tenham tentando oferecer uma nova roupagem a história do menino que não envelhece e vive em uma terra mágica ao lado de uma fada, a verdade é que os filmes de Peter Pan repetem a mesma narrativa, sem apresentar novos pontos de vista ou ressignificar elementos da historia. O diretor David Lowery (“Sombras da Vida”) até tenta, mas essa versão é mais do mesmo.

Acompanhamos Wendy Darling (Ever Anderson), uma pré-adolescente que, na véspera de ir para o internato, recebe a visita de Peter Pan (Alexander Molony) e Sininho (Yara Shahidi) convidando a ela e seus irmãos para irem a Terra do Nunca se tornar um dos meninos perdidos. A inclusão da menina no título do filme faz jus ao livro de 1911, de J. M. Barrie, complementar a peça de 1904 que deu vida as figuras eternizadas pela Disney. 

Novos pontos de vista

Em seu trabalho mais recente – “A Lenda do Cavaleiro Verde” -, Lowery evidenciou a capacidade de ressignificar histórias clássicas. Aqui não é diferente, uma vez que a trama introduz novas discussões a partir da recondução da jornada de seus personagens-chave. Wendy ganha mais importância: a menina assume uma postura de liderança com viés revolucionário, sendo ela o real contraponto a ideologia pregada por Pan. De certa forma, “Peter Pan & Wendy” é muito mais da personagem feminina do que de seu parceiro dado que o discurso dela é o grande cerne desta produção: a busca por amadurecimento. 

Neste contexto, quem também conquista espaço é o Capitão Gancho, interpretado pelo charmoso Jude Law: Lowery traz mais densidade à trama do vilão ao lhe dar motivações para ser o antagonista de Peter Pan e ainda transformar o parceiro de Sininho no lado mais acinzentado da narrativa, visto que as razões de Gancho para atacá-lo são pautadas em traumas levantados pelo ex-amigo. 

Embora essas duas releituras tenham significância e ofereçam novos pontos de vista a trama, quem sai perdendo é Sininho e Peter Pan. O roteiro retira a rivalidade existente entre a fada e Wendy, o que é louvável tendo em vista a transformação – ao menos eu suponho – geracional desde o primeiro longa lançado em 1953. No entanto, isso tem um custo alto e incômodo para a personagem mágica: Sininho poderia ser facilmente retirada e sua ausência não seria notada; as crianças não conseguem escutá-la, nem mesmo Pan, até que a protagonista subverta a ordem vigente. Isso seria problemático por si só, mas o fato de Sininho ser interpretada por uma atriz negra fornece um outro prisma: temos uma mulher negra vista como uma fantasia, silenciada pela outridade até que uma salvadora branca lhe dê voz. 

Um filme burocrático

Apesar de trazer novos pontos de vista a trama, “Peter Pan & Wendy” parece meramente burocrático. Trata os personagens como se já convivêssemos com eles há tempos, mas em vez de aproveitas as motivações para inovar a narrativa, conta a mesma história já vista nos outros filmes. Acrescenta-se a isso a falta de carisma dos personagens, tendo como o menos atrativo o protagonista. O Peter de Molony é apagado, frio e sem brilho; parte dessa concepção se deve a estrutura fílmica que lhe apresenta como egoísta, imaturo e incompreensível, causando um esfriamento e apontando para as falhas nas escolhas de Lowery. 

Esse esfriamento se deve ainda a fotografia de “Peter & Wendy”. Falta cores a cinematografia assinada por Bojan Bazelli (“O Cavaleiro Solitário”), criando um clima de distanciamento com o público. A Terra do Nunca, que deveria ser um espaço de magia, acolhedor e infantil, é cinzenta, cheia de lodo, como uma locação abandonada. No entanto, há acertos na escolha de ângulos e planos do mundo real; uma pena que só aconteça nos primeiros 20 minutos de filme. 

Tanto o tratamento dado a fotografia quanto aos personagens salienta o quão incoerente são as escolhas de Lowery para esta trama. O diretor, que também assina o roteiro, não  liga a temática original a esta versão, afinal, Peter Pan é um conto sobre a manutenção da inocência, a perda da infância, a passagem de tempo para a vida adulta e esta produção não consegue trabalhar nenhuma dessas temáticas de forma harmoniosa. Elas não são desenvolvidas, tornando o filme raso e superficial. 

“Peter Pan & Wendy” é um live action anêmico, sem encantamento e carisma. Mais uma vez, a mesma história sendo contada da mesma forma. Está na hora de crescer e melhorar as perspectivas.