Durante uma conversa, o dono do bar em que Turquoise Jones (Nicole Beharie) trabalha afirma que o sonho americano existe, menos para os negros. Esse é um resumo do que aborda “Miss Juneteenth”, longa de Channing Godfrey Peoples. A diretora, que também assina o roteiro, utiliza o universo dos concursos de beleza para contar uma história sobre sonhos, projeções e realizações.
Acompanhamos a jornada de Turquoise para que sua filha Kai Marie (Alexies Chikaeze) se torne Miss Juneteenth. Ela faz vários bicos a fim de oferecer à garota condições ideais para que compita, no entanto, precisa lidar com a malandragem do ex-companheiro (Kendrick Sampson), a hipocrisia da mãe (Lori Hayes) e a própria Kai, que não se sente à vontade para participar do concurso.
Tomando como gancho a relação mãe, filha e concurso de beleza, o roteiro explora com eficácia o aprisionamento a realizações passadas e a dificuldade em seguir em frente. Turquoise foi Miss Juneteenth aos 15 anos e, até o final da trama, essa é sua maior conquista. É compreensível, então, sua busca para dar a Kai o que ela acredita ser uma perspectiva de futuro melhor, contudo, tal objetivo beira a obsessão por algo que ela não tem controle sobre o resultado.
Chega a ser angustiante ver a sua saga para levantar fundos que ofereçam o suporte necessário para que a filha concorra com dignidade e é mais penoso ainda quando todos seus esforços desmoronam por alimentar o sonho sozinha. Neste processo, Beharie toma o filme para si. Seu olhar persistente e a paz que emana em qualquer situação tornam a personagem mais humana, tangível e identificável.
Concurso de Beleza e a discussão do sonho americano
A protagonista enxerga no concurso uma forma de mudar de vida. Muito mais do que uma ode a beleza, há raízes históricas e sociais no Juneteenth. O evento realmente existe, celebra a libertação do regime escravocrata no Texas e oferece a meninas negras a oportunidade de escolherem a universidade que desejam cursar. Dessa forma, o que Turquoise procura não é a coroação dos atributos físicos de sua filha – como ocorre em “Insatiable”, série que usa os concursos de beleza como condutor narrativo -, mas sim vê-la ter as chances que ela não teve por ter engravidado na adolescência e não poder cumprir os compromissos que o concurso lhe exigia.
É curioso como a diretora utiliza essa situação para discutir o sonho americano. A protagonista acredita veementemente que o concurso é a chance de sua filha não seguir seus passos, de dar prosseguimento a própria jornada e alcançar patamares que a mãe não foi capaz. E é sintomático que para isso acontecer seja necessário um investimento exclusivo para pessoas negras. O que diz muito sobre como funciona a estratificação social contemporânea e a importância de haver a política de cotas. Sem entrar no mérito da questão, contudo, tal abordagem entrega a narrativa contornos universais e emergentes.
“Miss Juneteehth” parece ser um filme simples, sem grandes reviravoltas, mas carrega em suas imagens o peso de ser uma mulher negra exemplificado por meio da busca de sonhos, projeções e persistência. O que nos leva a refletir se realmente existe o sonho americano para todo mundo.