Em 2018, a Netflix colocou em seu streaming a produção documental “The Staircase”, dirigida por Jean-Xavier de Lestrade (vencedor do Oscar de melhor documentário por “Assassinato numa manhã de domingo”). A série true-crime acompanha o escritor Michael Peterson, acusado de assassinar a segunda esposa, Kathleen Peterson, encontrada no pé da escada de sua própria casa. É partindo dessa trama que Antonio Campos (“O Diabo de cada dia”) constrói “A Escada”.

A trama aborda de forma ficcional os últimos dias da vida de Kathleen (Toni Collette), remontando ainda o caso no tribunal e as reviravoltas que o acometeram. “A Escada” ainda mescla cenas do julgamento com flashbacks da vida do casal, indo até momentos após a libertação de Peterson, em 2017. Campos constrói uma narrativa não linear, que nos permite ter múltiplas perspectivas sobre o crime.

As escolhas do diretor elevam a qualidade da minissérie. Tendo em vista as produções que visam contar esse caso, Campos nos oferece múltiplos pontos de vista sobre a situação, ressaltando, inclusive, as variadas teses para a violenta morte de Kathleen. Para isso, a equipe de roteiro, montagem e fotografia trabalham com excelência, entregando cenas intrigantes, que se conectam, apesar da ausência de linearidade.

OBSERVAÇÃO IMPARCIAL

A fotografia de Lyle Vincent (“Garota Sombria Caminha pela Noite”) é dinâmica, criando planos que despertam atenção e curiosidade, além de trabalhar de forma bem colocada planos-sequências em tempos narrativos diferentes. Isso ocorre porque a câmera está ali para observar, assim como o espectador, sem perder nenhum detalhe; por isso a parceria entre o fotógrafo e Campos explora tudo o que pode sobre o crime, incutindo a mesma seriedade, energia e impacto nas cenas que se repetem. “A Escada” entrega uma reconstituição cinematográfica imparcial e séria das versões discutidas para a morte de Kathleen.

Fora os aspectos técnicos, o roteiro ainda oferece tridimensionalidade aos personagens e, por conseguinte, ao caso. É possível observar como o comportamento de Michael (Colin Firth) afetava a dinâmica familiar e o posicionamento oposto a ele empregado pela falecida esposa, o que se soma ao cuidado e atenção dada a oferecer vislumbres da personalidade de cada um dos cinco filhos do casal e as mudanças decorrentes do falecimento.

Dessa forma, a história nos conduz a refletir na culpa ou não de Michael. A maneira de contar o caso cria dubiedades sobre ele, sendo mais um ponto positivo, pois permite que o espectador crie suas próprias interpretações e imagine o que realmente aconteceu com Kathleen naquela noite.

PARA AGRADAR FÃS DE SÉRIES TRUE CRIME

As nuances criadas por Firth para o personagem mostram alguém humano, fraco e, ao mesmo tempo, ameaçador. Collette parece eclipsada por ele, o que é entendível dado que não consegue se afastar do papel vítima. Os outros membros do elenco também contribuem para a ambivalência da série, principalmente Michael Stuhlbarg e Sophie Turner. Ele, no primeiro momento, sem dar a certeza se realmente acredita em seu cliente e ela, ao fim da trama, quando mostra-se diferente daquilo que acompanhamos no decorrer dos oito episódios.

Por fim, enquanto câmera observadora, Campos também permite que possamos acompanhar os bastidores da série documental sobre o caso e como estes deixaram se envolver com Michael, situação vivida e exposta por Sophie Broussard (Juliette Binoche). É interessante como constroem o relacionamento dela, que possuía a função de editora do documentário, com a imagem de Peterson e como isso está relacionado a manipulação midiática presente também na montagem documental.

“A Escada” mostra mais uma vez a potencialidade da HBO em apresentar boas minisséries dramáticas. A direção de Antonio Campos acerta em jogar para o público as conclusões e contar de forma criativa e compromissada esse crime recente da história norte-americana. É uma boa pedida para os fãs de true crime.