Não sou da época do Balão Mágico. Mesmo assim, toda a magia e pureza desse quarteto mais que fantástico permeou a infância da pessoa que vos escreve, nascida no final daquela década de 1980 marcada pelos seus excessos, cores vibrantes, uma alegria sem igual e muita diversão, apesar dos pesares. Bom, pelo menos, é isso que imagino quando falam com muita nostalgia daquela época de encantos e descobertas. E eu poderia falar o mesmo da minha infância feliz dos anos 1990 ou da minha pré e adolescência nos anos 2000.

Tempos felizes, apesar dos pesares… Impressionante como a cultura pop, como um todo, se confunde com nossas memórias pessoais e coletivas, não? Momentos tão particulares de nossas vidas que se interligam com essa indústria do entretenimento.

E não foi diferente nos anos 1980. Se na minha época tinha Xuxa, Angélica, Eliana, Mara Maravilha, TV Colosso e, puxando mais ainda, nos anos 1970 as crianças paravam para assistir “O Sítio do Pica Pau Amarelo”, naquela década de ouro existiu Simony, Tob, Mike e Jairzinho, ou simplesmente A Turma do Balão Mágico.

Orquestrados para suprir a carência de uma indústria forte voltada para o público infantil, a inicialmente dupla (Simony e Tob), logo depois trio com a entrada de Mike, foi um sucesso absoluto no Brasil inteiro, arrastando multidões e levantando poeira muito antes de Ivete Sangalo.

E, meus caros, quando falo sucesso absurdo não é exagero. Logo depois com a entrada de Jairzinho, o quarteto se estabeleceu na indústria fonográfica vendendo milhões, turnês lucrativas e crianças de todo o Brasil enlouquecidas. O céu era o limite para estas crianças de ouro. Logo, a TV Globo tratou de lucrar também e transformou o Balão Mágico em um enorme sucesso nas suas manhãs com ibope em nível de horário nobre. Quem poderia contra estas crianças, afinal?

PONTAS SOLTAS

Contudo, para tanto sucesso haveria uma reação e isso é colocado em jogo no documentário “A Superfantástica História do Balão”, que celebra os 40 anos do grupo infantil mais amado de todos os tempos. Com uma direção dinâmica e afetiva de Tatiana Issa (do ótimo “Dzi Croquettes”, 2009 e “Pacto Brutal: o assassinato de Daniela Perez”, 2022), a série documental em três episódios disseca essa fase de loucura, fama, infância, brincadeiras, ambição familiar e empresarial com essas quatro crianças jogadas aos lobos.

Com diversos depoimentos entre os próprios integrantes, produtores, compositores, familiares, amigos e fãs, como Lázaro Ramos, a série adentra esses caminhos de louros e espinhos, mas não se aprofundando muito nas polêmicas, deixando a sensação de “quero mais”.

Aqui, há muita verdade envolvida, há muitos ditos e não ditos. Muitas passagens não são aprofundadas, ficam nas entrelinhas e entendimento para quem assiste como a interferência direta (a meu ver, tóxica) da família de Simony, a própria relação dela com a Mara Maravilha (em uma participação dispensável, diga-se de passagem) e a relação conflituosa entre na transição entre Mônica (a primeira empresária deles.

Aliás, quem era ela? Ficou faltando mais dela e do Paulo Ricardo, assim como a primeira, somente citado em alguns causos sem muito aprofundamento.

TEMORES E LUTAS DE ÍDOLOS INFANTIS

Dos diversos depoimentos entre os quatro reunidos e individualmente, os que chamam atenção sem dúvidas, é do Mike e Tob. O primeiro, o mais carismático na infância e na fase adulta, sem papas na língua, o “bicho solto” no meio de toda aquela ingenuidade – resquícios de uma criação livre e solta que teve com seu pai, o famoso assaltante inglês Ronald Biggs. Sem medo, ele cutuca a ferida e relembra passagens tão boas quanto ruins, sem dúvidas, ele movimenta o jogo no tradicional encontro das datas redondas e das lembranças ainda ressonantes.

Quanto ao Tob, senti muito por ele. Infância e adolescência se não trabalhados direito – e isso independe de ser uma criança famosa ou anônima, com recursos ou não -, há um espaço enorme para traumas. A palavra que ele mais usa ao longo dos episódios é “medo”; percebe-se pelo seu jeito acanhado e introspectivo que muitos demônios foram exorcizados desta época, mas as feridas permanecem. As palavras não ditas estão estampadas no seu olhar.

Uma passagem interessante de “A Superfantástica História do Balão” é a sexualização e polêmicas de Simony na transição da fase infantil, para adolescência e adulta. Muitos a viam como uma criança, afinal, ela cresceu aos olhos do público e há uma cobrança da mídia e do senso comum e manter a áurea pueril e infantilizada – a exemplo dela, Isabela Garcia, Sandy, Bruna Marquezine passaram por isso, dentre outras; resquícios do machismo e patriarcado institucionalizado. Mas Simony, uma grande personalidade, é a que mais bateu o pé por seu querer e ser dona do próprio corpo. Louvável. Merecia ser um ídola pop.

ODE A UMA INFÂNCIA AGRIDOCE

Passeando por diversos momentos entre o apogeu, o fim do grupo e a vida deles seguindo ao longo dos anos, “A Superfantástica História do Balão” se ressente de um maior aprofundamento nos dias de hoje. Um breve panorama de cinco minutos não sana a curiosidade de quem viveu aquela época e aqueles curiosos que os desconheciam. Um depoimento da Xuxa, supracitada após o fim do programa global da turma, seria interessante também.

“A Superfantástica História do Balão” é um ode à infância, tem gosto de caramelo, tutti-frutti, algodão doce, pipoca e guaraná. Também deixa um gosto amargo na boca pelos abusos sofridos que não foram poucos. A verdade é que eles foram explorados, mesmo que essa palavra seja, possivelmente, proibida no contexto da homenagem. Nada que apague o brilho e a força atemporal da Turma do Balão Mágico que marcou uma era e gerações e com eles, diversos outros artistas infantis, como a própria Xuxa, o Trem da Alegria (quem lembra?), etc. Uma superfantástica viagem ao passado colorido que, entre borrões, quedas e algumas feridas inflamadas, (quase) todos se salvaram nesse imenso balão. E eu também quero viajar nesse balão, quem vem?