Desde que chamaram a atenção com o divertido Casamento Sangrento em 2019, a dupla de diretores Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett vem sedimentando uma carreira cinematográfica que mescla o terror sangrento do slasher movie com a sátira social cômica para reverenciar os diversos subgêneros cinematográficos. 

O sucesso dele levou os dois assumirem a revitalização da franquia Pânico em 2022-2023, onde puderam azeitar no quinto e sexto capítulo da série, a fórmula para manipular os clichês de gênero de maneira funcional e assim continuar pregando “peças” no espectador como fizeram no longa de estreia. 

O bom retorno comercial e de crítica dos novos exemplares da série fez que a Universal contratasse a dupla para integrar uma nova leva de produções inspiradas nos monstros clássicos da década de 30 do estúdio (Drácula, Frankenstein, Lobisomem, Múmia, etc.) a partir de uma reimaginação contemporânea que dialogasse com o público mais jovem e das antigas, semelhante ao que ambos realizaram em Pânico. Logo, este Abigail é um dos resultados desta parceria (Renfield e Drácula: A Última Viagem do Deméter são outros projetos lançados ano passado), uma releitura dos clássicos filmes dos sanguessugas mais queridos do meio cinematográfico: os vampiros. 

Na trama, acompanhamos, um grupo de criminosos comandados por Joey (Melissa Barrera, a Sam de Pânico, demitida ano passado da série pelos comentários a favor da Palestina) e Frank (Dan Stevens) contratados por Lambert (Giancarlo Esposito, o Fring de Better Call Saul) para sequestrem uma menina de 12 anos, Abigail (Alisha Weir), filha de um milionário. Escondidos numa mansão isolada enquanto aguardam Lambert negociar o resgate na quantia de US$ 50 milhões com o pai da garota, os sequestradores logo vão descobrir que a vítima não é uma garotinha normal e sim uma criatura da noite. 

Coletânea de referências cinematográficas de filmes de vampiro

Semelhante aos clássicos filmes de vampiros, Abigail é uma releitura sangrenta do subgênero e que segue o bom padrão de entretenimento que a dupla Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett vem proporcionando na sua carreira até o momento. 

A verdade é que se aproxima muito mais da essência energética na construção do suspense e terror de Casamento Sangrento do que propriamente dos Pânico que o duo dirigiu. O roteiro escrito pela dupla Guy Busick (roteirista de Pânico VI) e Stephen Shields funciona como uma espécie de montanha-russa vampírica que mistura de forma inusitada o cultuado Um Drink no Inferno de Robert Rodriguez – a própria estrutura narrativa é dividida em duas partes muito diferentes entre si, idêntica ao exemplar de 93 – com o Lago dos Cisnes de Tchaikovsky, encorpado com comédia, ação, suspense, e até mesmo o de assalto (heist), sendo que a homenagem que ele faz Rat Pack hollywoodiana não é à toa.

Olpin e Gillett encorpam estas referências, entre um e outro momento, com muita brutalidade, banho de sangue e violência gráfica. Neste sentido, Abigail não deixa de ser uma experiência divertida até pelo teor de sátira que traz nas entrelinhas sobre a inocência de uma jovem como fonte de horror e que vai aniquilando os bandidos com o dobro da sua força.

A dupla de diretores extrai dos cenários vitorianos da mansão (que remetem a literatura policial), uma ambientação e construção de atmosfera que ajuda a dimensionar o arco de sobrevivência dos criminosos frente a pequena vampira e que envolvem questões sobre vida e morte.

Abigail acerta quando mira a câmera na direção da comédia de humor ácido e na violência cartunesca, expressadas nas ações e condutas dos seus personagens excêntricos. É interessante que esta composição visual casa muito bem com o trabalho de som, meticulosamente incorporado para deixar as cenas de tensão numa adrenalina de medo envolvente e facilitar a imersão do seu terror.

Uma jornada vampiresca feijão com arroz

Vale ressaltar que esta brincadeira vampírica, tem mais personalidade no seu terço inicial quando constrói um interessante jogo de gato e rato entre os seus personagens, deixando alguns mistérios no ar em relação ao cenário, as situações e as identidades que circunscrevem o grupo criminoso.

Bettinelli-Olpin e Gillett revelam ter bom faro para identificar com sobra os clichês que fazem o gênero funcionar, aproveitando os conceitos dos filmes de vampiro para renová-los com uma energia esfuziante. De certa forma, subvertem a expectativa do público por meio da dinâmica imprevisível de sobrevivência daquele universo entre seus personagens, a partir das engrenagens do thriller criminal,

As limitações do trabalho aparecem, quando ele se assume realmente como obra vampírica no seu outro terço. Acaba por se tornar não apenas previsível (já assistimos as mesmas situações em outros trabalhos dentro da temática) como também perde a sua concepção tão sólida em torno da humanidade dos personagens que preenchem o contexto dramático do longa. Isso não o impede de abordar o suspense, a ação, a comédia e o terror com um grau de eficiência nestes quesitos e que reflete no divertido balé visual sangrento ao som de Tchaikovsky que Abigail elimina os seus algozes.

As vantagens e desvantagens de Abigail se resumem na forma em que aborda a sua sátira a favor da sua história. Quando a utiliza para analisar os conceitos e elementos do cinema vampiro imprime vigor a sua narrativa, já quando a esquece em prol do “corre-corre” frenético é travada pela repetição excessiva.

É claro que o filme conta com um bom elenco para contornar essas fragilidades.  Melissa Barrera mais uma vez mostra o seu grande apelo como final girl, construindo dramaticamente bem a sua heroína traumatizada, que nem mesmo o texto irregular consegue fazê-la perder a noção da personagem. E junto com atriz, Dan Stevens e Kevin Durand ajudam a tornar o terror mais descontraído, ainda que é Alisha Weir e Kathryn Newton as responsáveis em roubarem as melhores cenas. O filme também marcou o último trabalho de Angus Cloud (da série Euphoria), falecido no ano passado vítima de uma overdose.

Diferente de Casamento Sangrento,  Abigail não executa tão bem a sua fórmula de humor e terror talvez por não encontrar a melhor maneira (ou tom) para incorporar todas as suas referências cinematográficas. Isso não o impede de se ancorar bem nos seus truques sangrentos de explosões absurdas para confeccionar o seu teatro afetadíssimo de horror.  No geral, o seu cerne vampírico a define bem: um filme de vampiro divertido e esquecível na mesma proporção.