A amaldiçoada viagem do navio Demeter, que traz o caixão e a terra do Conde Drácula da Transilvânia para Londres, é um trecho breve – só algumas páginas – do clássico romance de Bram Stoker publicado em 1897, mas é uma passagem memorável o bastante para ter figurado em várias adaptações de Drácula para o cinema. Ela aparece no Nosferatu (1922), clássico mudo de F. W. Murnau; no Drácula (1931) estrelado por Bela Lugosi; e no Drácula de Bram Stoker (1992), a superprodução de Hollywood dirigida por Francis Ford Coppola, entre outras.

A força desse segmento do livro se deve, em grande parte, aos detalhes que Stoker deixa para a imaginação do leitor. O cinema agora adapta esse trecho específico do romance em Drácula: A Última Viagem do Demeter, do diretor norueguês André Øvredal, o mesmo dos bons A Autópsia (2016) e Histórias Assustadoras para Contar no Escuro (2019).

No filme, embarcamos no Demeter, que parte da Bulgária para fazer uma travessia de vários dias até a capital inglesa. Caixas e mais caixas suspeitas são trazidas a bordo, mas todos seguem viagem. Entre os passageiros, temos o protagonista, um médico negro (vivido por Corey Hawkins), o capitão íntegro (Liam Cunningham) e uma jovem misteriosa que é descoberta como clandestina (Aisling Franciosi). Os tripulantes começam a morrer misteriosamente, e logo todos começam a perceber que estão viajando junto com algo monstruoso.

ATMOSFERA DE SOBRA

Percebe-se, por este longa e os seus anteriores, que Øvredal entende de atmosfera. O diretor de fotografia Tom Stern, veterano que já trabalhou com Clint Eastwood em alguns filmes (“Cartas Para Iwo Jima” e “15h17”), faz hábil uso da escuridão aqui, aumentando um pouquinho o suspense no longa a cada vez que o Sol se põe, pois o espectador começa a vasculhar os enquadramentos à procura do vilão da história.

E a respeito dele, também merece destaque a decisão do diretor de colocar um ator – no caso, o veterano Javier Botet, que já fez várias criaturas esquisitas no cinema – para viver o Drácula, ao invés de conceber uma criatura em computação gráfica. O design do monstro é claramente inspirado no Nosferatu do cinema mudo, e alguns dos seus movimentos e poses lembram o “Alien” do clássico de Ridley Scott.

ROTEIRO E DIREÇÃO PECAM PELOS EXCESSOS

É uma pena, portanto, que Øvredal não siga os passos de Scott e confie no “menos é mais”: o norueguês mostra demais o seu monstro, diminuindo o seu impacto ao longo da história, a despeito da boa atuação física de Botet.

Ainda atrapalham Drácula: A Última Viagem do Demeter óbvios problemas de roteiro: a tripulação do Demeter poderia não sofrer tanto se fosse mais esperta. Há alguns momentos em que se percebe a mão pesada dos roteiristas Bragi F. Schut Jr. e Zak Olkewicz, que “emburrecem” os personagens para esticar a situação e fazer a história funcionar nos seus termos. Isso diminui a tensão da trama: espectador, prepare-se para gritar com as figuras na tela várias vezes neste filme.

O roteiro ainda peca por meio que já deixar claro os personagens que deverão ficar vivos até perto do fim, com apenas uma das mortes realmente contando como uma surpresa. Isso, aliado ao fato de que já sabemos, aproximadamente, como a história vai terminar, também diminui o suspense da trama.

No fim das contas, Drácula: A Última Viagem do Demeter tem as suas qualidades e quem procura um pouco de escapismo e terror pode se satisfazer aqui. Mas algumas decisões criativas, na hora de traduzir o que está na página e na imaginação do leitor de um livro, para a tela, acabam diminuindo a experiência. É aquele caso clássico: o filme que passa na nossa cabeça enquanto lemos Drácula de Bram Stoker é mais poderoso e assustador do que os cineastas conseguiram colocar na tela aqui. Não é um filme ruim, mas esta viagem do Demeter, mesmo que mais longa, não deve se tornar mais memorável do que as breves cenas presentes nos filmes mencionados do primeiro parágrafo deste texto.