Um cineasta em crise existencial é o foco de “Bardo”, novo filme de Alejandro González Iñárritu. O projeto, exibido no Festival de Londres depois de passagens mornas em Veneza e Telluride, é o primeiro gravado pelo diretor mexicano em seu país natal desde o longa de estreia, “Amores Brutos”. Ele estreia na Netflix em dezembro, mas o poder de suas imagens pede a telona do cinema. 
 
É certo que a vida imita a arte, mas o contrário também acontece. Prova disso é o protagonista de “Bardo”, Silverio (Daniel Giménez Cacho), um diretor que retorna ao México depois de uma longa ausência e de ampla aclamação alcançada no exterior. Seu regresso vem acompanhado de eventos insólitos que refletem a sua busca por um propósito e o seu anseio por um lugar para chamar de casa. 
 
Iñárritu, assistido pelo grande diretor de fotografia Darius Khondji (“Delicatessen” e “Era uma vez em Nova York), entrega um festival de delírios que estimula a imaginação. Estranhos posicionamentos de câmera, ângulos amplos, estrutura livre e CGI deliberadamente falso desafiam o espectador a descobrir o que é real e o que não é, na tradição do cineasta Luis Buñuel. 
 
No entanto, a maior referência de “Bardo” é “8 1/2”, de Federico Fellini – o clássico filme sobre cineastas delirantes em crise. Para cinéfilos de plantão, sobram deixas: “Bardo” começa com um homem tentando voar, mas não conseguindo, enquanto “8 1/2” começa com um homem em pleno voo. Em “8 1/2”, o diretor luta para completar um filme. Em “Bardo”, seu objetivo inatingível é escrever um discurso. 
 
As semelhanças, no entanto, acabam aí: se Fellini estava interessado nas agruras do processo criativo, o cineasta mexicano quer falar sobre o deslocamento de um artista longe da terra natal e sobre os conflitos geracionais decorrentes disso. O roteiro foca na vida interior de Silverio para chegar ao âmago do que essas questões impactam alguém no decorrer dos anos. 

IMIGRANTES NO SETOR CRIATIVO

Nesse sentido, “Bardo” tem muito a dizer para plateias brasileiras por vários motivos. Dois, no entanto, se evidenciam mais fortemente. Um é a abordagem da percepção dos latinos mundo afora e de como muitas vezes eles não são considerados plenos contribuintes para os países onde vivem. A cena em que Silverio tenta ter seu valor reconhecido pela imigração dos EUA – país onde mora há anos – é de tirar o chapéu. 
 
Outro é o tratamento da velha máxima da “prata de casa não faz milagre”. Em “Bardo”, Silverio navega a situação de estar de volta em um país que apenas o consagra depois do sucesso internacional. Nesse cenário, tanto os puxa-saco quanto os invejosos representam perigo, apesar dos disfarces sociais. 
 
Mesmo com tanto pano pra manga, o longa às vezes exagera na duração de algumas sequências, mas isso é um pecado pequeno e que já está sendo remediado por Iñárritu. Com 152 minutos, a versão exibida em Londres já é uma reedição 22 minutos mais curta da que estreou em Veneza. Caso perca outros 22 minutos, “Bardo” pode ser o melhor filme do diretor desde “21 Gramas”, mas mesmo em sua atual forma, ele é um dos mais honestos retratos do imigrante do setor criativo.