Aviso: SPOILERS no texto abaixo. Recomenda-se ler só após assistir ao episódio.

O que há em um bigode?

Quando conhecemos Saul Goodman em Breaking Bad, era 2009 e o episódio se chamava “Better Call Saul”. Agora, estamos em 2022 e Jesse Pinkman e Walter White aparecem pela primeira vez em Better Call Saul, em um episódio intitulado “Breaking Bad”. Ah, não só eles, o saudoso e inesquecível trailer também marca presença.

E em dado momento do episódio desta semana, Saul faz um comentário sobre o bigode sem cor que Walter tinha na época, antes de adotar seu marcante cavanhaque.

Acima de tudo, Breaking Bad foi um estudo sobre masculinidade destrutiva. Era a história de um homem mau vivendo dentro de um sujeito aparentemente inofensivo e quanto mais ele se aproximava da morte pelo câncer, mais seu lado maligno aflorava até destruir tudo o que ele mais prezava. Better Call Saul, por sua vez, sempre foi uma história diferente: a de um homem bom, mas com uma pequena fraqueza, um germe de corrupção dentro de si. Por culpa dele mesmo e de algumas circunstâncias da vida, com o tempo, esse homem bom aos poucos foi perdendo sua humanidade e a própria identidade.

Mas não podemos esquecer que Gene, o homem que costumava ser Saul Goodman e que antes era Jimmy McGill, o homem para quem o passado é em cores e o presente é em preto-e-branco, também tem um bigode. E como sempre, nada na série é por acaso.

“Breaking Bad”, o episódio, continua a linha narrativa que vimos no anterior. Gene terminou aquele episódio olhando para si mesmo, de frente ao espelho de uma loja de roupas, segurando uma camisa de colorido berrante como as que costumava usar. Alguma coisa foi despertada com seu golpe junto com Jeff. Esse mesmo algo o leva a ter uma longa conversa via telefone público com Francesca – coitada, a vida atual dela parece tão ruim quanto a de Gene. Depois ele liga para… Kim! O diretor/roteirista do episódio, Thomas Schnauz, não nos deixa ouvir a conversa. Mas há um plano bem devastador de Gene enquadrado através do vidro sujo da cabine telefônica, que nos informa tudo que precisamos saber sobre aquele momento, antes mesmo de Gene começar a quebrar o telefone e o vidro.

O DESESPERO DE GENE

O fato é que, depois desse momento, a persona Saul parece ressuscitar dentro dele. No flashback, vemos o primeiro encontro de Saul com Walter e Jesse – pobre Aaron Paul, não importa quão bom ator seja, simplesmente não consegue mais parecer com o Jesse de 2009. Mas assim é a vida, atores envelhecem igual a qualquer um de nós… Enfim, o flashback traz uma revelação triste – Saul pensou que ia ser morto por Lalo, o que significa que tantos anos depois ele ainda temia essa possibilidade – e uma transição sensacional, da cova que Walter e Jesse cavaram para Saul para Gene deitado em sua cama. Saul saiu daquela cova com sua lábia, Gene parece estar fazendo o mesmo.

Porém, essa ressurreição é temperada com uma pitada autodestrutiva, que deve se relacionar com o contato com Kim. Ele volta a praticar golpes com Jeff e aos poucos uma tendência autodestrutiva começa a se insinuar. Uma raiva. A mesma que movia Walter White.

Mas Gene em sua vida em Omaha, neste momento, parece mais desesperado do que Walter jamais esteve, pelo menos, até as coisas terem dado muito errado para ele. É esse desespero que manterá a tensão dramática pelos próximos e restantes dois episódios. É difícil para uma pessoa aprender com os próprios erros, muitas vezes. Que dirá então com os erros de outros? E homens parecem ter ainda mais dificuldades.

“Breaking Bad” é mais um grande episódio, agora de Better Call Saul… A aparição de Walter e Jesse, tão aguardada, em nenhum momento parece fanservice vazio, assim como a cena com Mike alertando Saul de que deveria ignorar esse professor de química maluco e seu ex-aluno viciado – se essa for a cena de despedida de Jonathan Banks da série, o ator sai em uma nota muito alta. Mas acima de tudo, comprova mais uma vez o quanto Better Call Saul é especial: além de ser um grande seriado pelos próprios méritos, ainda enriquece a série que lhe originou, adicionando-lhe novas camadas e explorando temas por novos ângulos. E claro, o principal deles sendo a necessidade muito, muito profunda, que acaba levando alguns homens à autodestruição.