Cravar que momento x ou y foi divisor de águas na história do cinema parece um convite à hipérbole. Quando esse acontecimento tem menos de uma década, soa precoce demais. Mas talvez não seja um exagero dizer que Podres de Ricos (2018), de Jon M. Chu, mudou alguma coisa em Hollywood. Isso é sentido em filmes como Caminhos Tortos (2023), estreia na direção do ator Randall Park.   

Esta simpática comédia não-tão-romântica-assim foi lançada no Festival de Sundance no ano passado e representa uma indústria do cinema pós-Podres de Ricos. E isso não é apenas pelo elenco quase todo de atores de origem asiática, mas também porque o filme se sente à vontade para ter como ponto de partida um certo cinismo ao redor da Hollywood atual.   

E, olha que maravilha, esse retrato vem em um personagem cinéfilo. Logo nos primeiros minutos de Caminhos Tortos, Ben (Justin H. Min) e a namorada, Miko (Ally Maki), assistem a um filme que, ali, é como se fosse justamente Podres de Ricos. O tom fantasioso irrita o personagem, que reclama que, no filme, não há ninguém real, ninguém com defeitos. Curiosamente, essa é uma crítica que não se aplica ao filme de Chu, que coloca as duas personagens femininas principais em um confronto de sentimentos que todo mundo entende muito bem, mesmo que longe daquele contexto de luxo e ostentação.  

Fora do cinema e de volta ao mundo real do filme de Park, esse cinismo de Ben vira um muro entre ele e as pessoas com quem convive, a começar pela namorada, Miko (Ally Maki). A única que parece entendê-lo é Alice (Sherry Cola), a amiga que também é a única cujas críticas ele escuta (ou finge que escuta).   

UMA BRONCA, UM ABRAÇO 

Se faltam personagens com defeitos (segundo Ben, pelo menos) no Podres de Ricos fake, em Caminhos Tortos eles sobram. E que bom. Você pode até negar, mas, com certeza conhece várias pessoas que têm muito do protagonista vivido por Justin H. Min. Vamos falar a verdade: todo mundo aqui já teve ou tem um pouco dessa pessoa que acha que é diferentona, mas que é tão clichê quanto qualquer um ao redor. Aliás, fico imaginando como seria uma conversa entre ele e o protagonista de Afire (2023), de Christian Petzold.  

Os sentimentos que tive com os dois filmes foram semelhantes, e, no caso da comédia estadunidense, os erros não são exclusivos do protagonista. Todo mundo ali mente, briga por besteira, opta pelo caminho mais fácil, mas também tem direito ao recomeço. “Mudança é algo difícil para babacas como nós”, diz Alice a Ben, depois de 400 mal-entendidos remendados com precisão em um filme que é doce justamente ao falar do sabor amargo do erro.   

Lá em 2018, Podres de Ricos representou a primeira vez em 25 anos (!) que um estúdio lançava um filme com elenco principal todo formado por atores e atrizes de países asiáticos ou estadunidenses com origem asiática. Se entre O Clube da Felicidade e da Sorte (1993), de Wayne Wang, e o filme estrelado por Constance Wu e Michelle Yeoh nada havia mudado, desde 2018, essa comunidade tem aparecido de forma numerosa em filmes mainstream – mesmo os que não são gestados por grandes estúdios (ou aqueles em ascensão) posteriormente ganham lançamento após uma carreira de destaque em um festival.   

Os números ainda estão longe do ideal, mas é interessante ver como um Caminhos Tortos é filhote desse movimento. Para além do filme com tiradas engraçadas e de bingo de discussões que a gente vê toda semana no Film Twitter, a comédia de Randall Park é aquele cinema que nos abraça, mas também dá bronca – não muito diferente da amizade entre Ben e Alice.