Há alguns anos, escrevi aqui no Especial Terror do Cine Set um artigo sobre uma possível refilmagem de Cemitério Maldito e como isso poderia ser uma boa ideia. Se me permitem ser bem pessoal, amo o livro de Stephen King que originou tudo, O Cemitério, publicado em 1983, e gosto da primeira adaptação para o cinema, o filme de 1989 dirigido por Mary Lambert, que continua bacana apesar de não ter envelhecido bem em alguns aspectos. Porém, quando escrevi aquele artigo, não poderia imaginar que seria este o remake que acabaríamos ganhando… O novo Cemitério Maldito começa como um filme sólido e muito bom, melhor dirigido e com um elenco muito superior à versão de 1989. Mas… Por algum motivo, os roteiristas dele resolveram se aventurar por caminhos muito diferentes do livro, e embora isso não seja necessariamente ruim, com o tempo essa decisão os leva a dar um tiro no próprio pé e jogar o filme em uma cova rasa.

O ponto de partida é o mesmo do livro e do filme dos anos 1980. Os Creed são uma família simpática que se muda de Boston para o interior do Maine em busca de uma vida mais sossegada. A casa deles fica à beira de uma estrada, na qual caminhões velozes passam constantemente. E aos fundos, numa trilha que leva a uma área florestal, existe um cemitério de animais de estimação construído pelas crianças da cidade que perderam seus amigos para a estrada. É então que o gatinho dos Creed morre atropelado e, por causa de um gesto de boa vontade do vizinho Jud (vivido por John Lithgow), o patriarca da família, Louis (Jason Clarke) leva a todos a mergulhar numa trama de horror que decorre do medo da morte e da dor do luto.

Os diretores do filme, Kevin Köslch e Dennis Widmyre – que fizeram antes um ótimo terror independente, Olhos de Estrela (2014) – estabelecem muito bem no início deste Cemitério Maldito a atmosfera de tensão e de tragédia iminente. As cenas iluminadas do início dão lugar a sombras e um clima soturno na fotografia. Às vezes até exageram na dose – as máscaras usadas pelas crianças em uma procissão ao cemitério de animais parecem interessantes no trailer, mas no filme acabam sendo apenas uma esquisitice afetada. Mas, de modo geral, a primeira metade do filme é muito boa, com algumas cenas eficazes de terror, como a morte do jovem Pascow (Obssa Ahmed) e a participação do sinistro gato Church.

O roteiro neste segmento do filme também expõe com eficiência o que se passa no interior dos personagens, em especial a mãe Rachel Creed, trazida à vida pela interpretação sensível de Amy Seimetz. Seu medo da morte fica bem caracterizado, e esse momento acaba tendo grande importância na trama, assim como ocorria no livro. É questionável, porém, a tendência do roteiro em usar os flashbacks sobre a morte da irmã dela, Zelda (Alyssa Levine), como fonte de jump scares, aquele susto ordinário de filmes de terror criado por um barulho súbito na trilha sonora.

Seimetz acaba sendo o destaque de um bom elenco que entrega atuações sólidas: Clarke é eficaz como Louis, embora seu personagem não desperte tanta empatia quanto deveria; Lithgow está muito bom como Jud, expondo informações para a trama e caracterizando bem a solidão do velho e sua amizade com Ellie Creed; e a novata Jeté Laurence segura bem a barra de interpretar a própria Ellie em uma atuação difícil.

CAMINHO ERRADO

ALERTA DE SPOILER A PARTIR DAQUI!

Difícil porque o roteiro, como já mencionado, a partir de certo ponto se desvia bastante da história de King. Não é mais spoiler dizer que é a menininha Ellie quem morre no decorrer da história – isso foi mostrado no trailer do filme! Não se pode dizer que essa decisão foi equivocada: ela rende boas oportunidades para drama e suspense e resolve algumas dificuldades da história no seu trecho final. Porém, ao embarcarem nessa “trilha” diferente, os roteiristas Jeff Buhler e Matt Greenberg acabam se empolgando e levando a história a uma direção questionável, absurda e que dilui o impacto e a “moral da história” de King. Sério, é difícil assistir aos 20 minutos finais deste Cemitério Maldito sem ficar balançando a cabeça, sob o impacto de presenciar o bom filme que estava vivo até então morrer diante dos nossos olhos.

Que fique claro: alterar Stephen King ao transformar seus livros em filmes não é necessariamente algo ruim. O Iluminado (1980), de Stanley Kubrick, está aí, firme e forte quase 40 anos depois do seu lançamento. Ler O Iluminado e ver o filme de Kubrick são duas experiências diferentes e igualmente válidas, tanto que sempre recomendo a todos que façam as duas coisas. Mas nem todo mundo é Kubrick, não é mesmo?

O Cemitério Maldito de 2019 acaba, em seus minutos finais, esvaziando de significado toda a história. O livro e o filme de 1989, mesmo com seus problemas, são sobre pessoas que sofrem e se danam porque não conseguem encarar seus sentimentos em relação à morte, o maior de todos os temores humanos. O filme de 2019 até começa sendo sobre isso, mas a certa altura perde essa essência e a substitui por jump scares, furos de roteiro – a certa altura, a Ellie parece se “tele-transportar” de um local para o outro – e meras cenas de matança que não chegam nem perto do clima gótico e o terror existencial do livro.

A certa altura, o filme faz uma pequena homenagem ao universo de Stephen King: aparece uma placa na estrada que indica a direção para Derry, a cidade fictícia onde se passa It: A Coisa (2017). Bem que os roteiristas de Cemitério Maldito poderiam ter passado uns dias lá em busca de umas ideias melhores…