É até engraçado de se imaginar como deve ter sido a reunião do pessoal da Pixar Animation Studios quando surgiu a ideia de “Elementos”: o roteirista propôs “vamos fazer um filme onde os personagens pertencem aos quatro elementos da natureza, a terra, a água, o fogo e o ar”, e a ideia foi aprovada! É o tipo de conceito brilhante e fora da caixa que fez a fama da Pixar, que já produziu clássicos da animação com brinquedos autoconscientes (“Toy Story”), carros autoconscientes (“Carros”) e emoções autoconscientes que vivem na cabeça de uma garotinha em crescimento (“Divertida Mente”).

Então, a ideia por trás de “Elementos”, a nova animação do estúdio junto com a Disney, é interessantíssima. Pena que, para se fazer um ótimo filme, uma única boa ideia não baste – é preciso várias delas. Infelizmente, a turma da Pixar pegou esse conceito e o aplicou na trama mais clichê que conseguiram imaginar.

No filme, temos a Cidade Elemento, uma metrópole estilo Nova York – ou Zootopia (2016) – onde vivem os diferentes seres compostos de água, ar, terra (árvores e plantas) e fogo. O povo do fogo sofre uma certa discriminação e é dele que vem a nossa protagonista, Faísca. Ela chega à cidade ainda pequena com os pais tradicionais e cresce enquanto eles estabelecem ao longo dos anos uma loja de artigos flamejantes. A vida  muda quando, graças a um vazamento no seu porão, ela conhece Gota, um rapaz de água. Ambos são forçados a atuar juntos para salvar a loja e também para tentar conter outros vazamentos.

VISUAL INCRÍVEL PARA HISTÓRIA SIMPLISTA

Em termos de design e inventividade visual, “Elementos” segue o tradicional alto padrão da Pixar. Momentos como uma perseguição por uma parede estreita entre Gota e Faísca ou o reflexo desta que às vezes se vê no rosto dele, são inspirados e demonstram que o diretor Peter Sohn e seus os animadores realmente tiveram criatividade para explorar as possibilidades sem limites, quase abstratas, dos seus personagens e do universo da trama. Mas quanto a essa história…

Elementos” torna literal a trama com apaixonados de mundos diferentes que não conseguem ficar juntos. E sim, ela se desenrola do mesmo jeito que já vimos em dezenas de outros filmes. Faísca e Gota são fofos e carismáticos, mas isso só carrega o filme até certo ponto. É uma pena que, para sua primeira história de amor, a Pixar, que frequentemente se destacou pela inovação, tenha seguido um caminho tão manjado.

O filme também não aprofunda um interessante subtexto de divisão de classes dentro da cidade. “Elementos” parece posicionar o povo do fogo como um representante dos imigrantes nos Estados Unidos – ou em qualquer nação desenvolvida -, enquanto o povo da água é análogo de uma classe alta, os mais abastados. Mas o filme nunca explora isso e mantém essa noção apenas na superfície – claro que ninguém esperaria um tratado social dentro de uma animação direcionada primariamente a crianças, mas quando o próprio universo que o filme cria parece pouco explorado, isso é sinal de uma história não tão desenvolvida, nem tão bem pensada, quanto poderia ser.

O desfecho de “Elementos” também é decepcionante, com os roteiristas forçando a barra com uma emergência conveniente para resolver o drama de Faísca. Nem algumas noções visuais criativas conseguem erguer esse final.

A CRISE DA PIXAR

O cinema vive uma crise de criatividade, isso é fato. Temos hoje um cinema comercial dominado pela mentalidade de franquia e sua preocupação constante de estender histórias ad infinitum quer isso faça sentido ou não; e streamings desenvolvendo produções “de algoritmo”, que reciclam tramas e ideias que já vimos várias vezes antes, apelando para o menor denominador comum de gosto e experiência narrativa. Nesse cenário, um longa como Elementos deveria ser algo a ser celebrado, mas a Pixar também parece estar vivendo uma crise criativa própria.

Elementos” não chega a ser ruim e o espectador consegue assisti-lo por causa da simpatia do seu casal protagonista, mas isso é pouco. Não se pode esperar que uma produtora ou estúdio acerte sempre, mas aqui parece que nem tentaram muito. Infelizmente, apenas um bom conceito não é o suficiente para fazer um bom filme, e para usar uma metáfora da história, é o tipo de filme que evapora rápido depois que se sai da sessão.