Há uma tendência das mais estranhas em certa parcela do cinema nacional contemporâneo, que se dá pelo ímpeto de satirizar o fundamentalismo neopentecostal que nos assola hoje. O ímpeto em si não é o que causa estranhamento, naturalmente. Antes, a maneira pela qual esses filmes constroem suas sátiras, que só pode ser definida pela estética pop-neon-tropical-crente.  

Diretora de Mate-me Por Favor e “Medusa”, Anita Rocha da Silveira tem construído sua carreira baseada nesses ditames, por exemplo. Gabriel Mascaro embarcou nessa seara com “Divino Amor”. Agora, chega “Pedágio”, de Carolina Markowicz. A essa altura, você já deve saber se o filme é ou não de seu interesse. É que essa é uma das limitações da sátira, quando mal-feita: o filme resulta oco e tudo que nele reverbera é aquilo que já é sabido pelo espectador de antemão. 

De modo que sátiras como as citadas conseguem ser apenas duas coisas: autocongratulatórias e condescendentes. “Pedágio” não é exceção. Ao menos temos aqui a presença de Maeve Jinkings como Suellen, que sobrevive trabalhando em um pedágio na cidade de Cubatão. Mãe solteira, ela está determinada a arranjar uma cura para o “mal” do filho, Tiquinho (Kauan Alvarenga, ótimo com seu sardonismo adolescente). Leia-se: é a tal da cura gay, oferecida na cidade por um pastor gringo e trambiqueiro. 

 O PERFIL DE SÁTIRAS

Falávamos da sátira e de como ela pode ser autocongratulatória e condescendente. O primeiro aspecto não necessita muito esforço para ser verificado. Basta olhar com um pouquinho mais de atenção para o público que compõe os festivais onde esses filmes se inserem para entender os efeitos que tal e tal cena irão suscitar. O segundo aspecto, por outro lado, talvez seja mais sutil. Em todo caso, ele parece surgir de uma certa tomada de posição – leia-se, o colocar-se acima dos personagens retratados. 

É assim que acabamos com caricaturas como a de Telma, interpretada por Aline Marta Maia, que parece existir com um propósito muito bem definido: para que nós, esclarecidos, possamos rir dessa mulher gorda, crente, ignorante, nordestina e hipócrita. Soa esquisito. 

Mas as sátiras podem ser produtivas, certo? “O Rei da Comédia”, de Martin Scorsese, é um exemplo. Ora, no mesmo Festival do Rio encontramos outra sátira que obtém melhores resultados: “Segredos de um Escândalo”, de Todd Haynes. Qual é a diferença, então? Em ambos os casos, os diretores, ao mesmo tempo em que condenam seus personagens, têm o bom senso de se implicarem (implicando-nos no processo) no que estão satirizando.  

Assim, Scorsese oscila entre Rupert Pupkin e Jerry na sua balança de poder (coisa que reflete a ambivalência com que o diretor-estrela se via na época). Já em “Segredos de um Escândalo”, fica a sensação de que Haynes gosta daquele tableau excessivo em que trabalha, de que curte os floreios melodramáticos que emprega – em outras palavras, que não condena olhando de cima para baixo, mas por dentro. 

Enquanto Markowicz, Silveira, Mascaro e companhia não entenderem isso, continuarão a chover no molhado.