“EO”, novo filme de Jerzy Skolimowski, é uma emocionante (ainda que falha) carta de amor aos animais. A produção estreou em Cannes – onde dividiu o Prêmio do Júri com “The Eight Mountains”, de Felix van Groeningen and Charlotte Vandermeersch – e foi exibida no Festival Internacional de Cinema de Karlovy Vary deste ano. A despeito da ótima premissa, ela ocupa um meio-termo desconfortável: tradicional demais para o circuito de arte, mas experimental demais para os multiplexes. 
 
O longa – o primeiro do célebre diretor polonês em sete anos – acompanha as peripécias de um burro depois que ele é libertado de um circo e vaga à procura de um propósito, enquanto sonha saudosamente com a antiga dona. No seu caminho, ele encontra toda sorte de gente e vê tanto pequenas maravilhas cotidianas quanto imagens de dor e sofrimento. 
 
Em essência, o longa é uma atualização de ” A Grande Testemunha”, de Robert Bresson, expandindo o campo de ação e trazendo a “trama” (se é possível dizer que há uma aqui) para os dias atuais. Diferentemente do longa de 1966, EO – assim nomeado pelo zurro que o animal faz – circula por um bom trecho da Europa e testemunha um continente em profunda crise moral. 

ROTEIRO VAGO E ÓBVIO

 
Com o perdão da expressão, o protagonista – provavelmente o burro mais cativante a aparecer na telona desde a franquia Shrek – leva o filme nas costas. Skolimowski usa todas as armas do arsenal para torná-lo “humano”, abusando de close-ups e sequências de sonho banhadas em vermelho. Através de seus olhos, o público pode ver o desespero, a solidão e a violência de uma espécie que abusa dos mais fracos, mas é capaz de atos ternos inesperados. 
 
Muitas dessas percepções dependem da boa vontade dos espectadores. Infelizmente, o roteiro – assinado pelo diretor em conjunto com a parceira habitual Ewa Piaskowska – sugere muito, mas, em sua vagueza, perde a chance de fazer comentários mais mordazes sobre a Europa atual e sobre a raça humana de maneira geral para além de obviedades. 
 
Apesar da liberdade formalística de centrar sua história em um personagem que não fala, o realizador constrói uma trama tradicional que nunca realiza plenamente seu potencial. Longe do minimalismo desafiante de Bresson, o polonês entrega um “road movie” bastante encenado que conta uma história comum e sentimentalóide. Se o burro falasse, “EO” poderia passar por uma fábula e ser abraçado pelo circuito comercial. Sem isso, plateias menos aventureiras podem passar longe do projeto. 
 
Na série de vinhetas que constitui a produção, há muitos momentos inspirados – a festa dos torcedores de futebol é um achado – e outros nem tanto, como a ponta de luxo de Isabelle Huppert, que pouco tem a ver com o animal e na qual ela alterna entre francês e italiano sem motivo aparente. A sensação que fica, ao rolar dos créditos, é a de um filme bonito, mas menor do que a soma de suas partes. Durante o seu tempo com o público, “EO”, como o burro que lhe dá o nome, apenas sobrevive. 

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