“O que a gente está colocando para dentro do nosso corpo é f*da-se!”, esbraveja Suzano (Johnny Massaro) com sua amiga travesti Rose (Renata Carvalho), fazendo coro. F*da-se!

“Os Primeiros Soldados” é uma metáfora. O filme se passa no final do ano de 1982 e ainda não havia certeza de muita coisa com relação ao surto do HIV/AIDS, no Brasil. Entre incertezas, ignorância e descaso dos médicos, estes corpos GLS (hoje, ressignificados com a sigla LGBTQIA+), pereceram e não tinham nada além de esperança e uns aos outros para continuar sobrevivendo com uma doença silenciosa, nociva e que lhe corroía aos poucos.

Chama atenção a sensibilidade e o cuidado de Rodrigo de Oliveira na direção. Com seu olhar aguçado, ele transpõe na tela essa metáfora desses primeiros soldados, indivíduos recrutados para a guerra em uma batalha solitária, em que sonhos e desejos se esvaem em lutar por algo muito maior que eles. Estes soldados que estiveram sempre no olho do furacão por serem quem são. Humberto (Vitor Camilo), por exemplo, um gay negro, expulso de casa por ser quem é.

A população LGBTQIA+ sempre enfrentou batalhas para assumir seus desejos, suas vidas e seu direto em existir. Se hoje as coisas estão melhores que há 40, 50 anos, devemos a estes soldados que lutaram.

Estes soldados que, cobaias, não sabiam o que estavam colocando para dentro do seu corpo, do seu organismo, mas o “f*da-se” era muito mais doses de esperança do que a certeza que um dia iriam se curar. Pois vejam só, ainda hoje não há uma cura específica para a doença, ainda que haja medicamentos não tão agressivos como em 1983.

‘SEGUIR SENDO LINDA’

Os planos e a ambientação de “Os Primeiros Soldados” nos auxiliam a nos conectar com esses soldados em busca de viver; percebam os tons pastel e azulados como que mais uma metáfora para uma áurea pura e angelical nesses soldados que, excluídos da sociedade, são estes seres celestiais que estiveram na batalha desde o início para chegar aonde estamos.

O grande destaque, acima de tudo, é o elenco: Johnny Massaro é um talento nato e sua composição melancólica, catatônica e retraído, um primor. Renata Carvalho toma todos os holofotes para si e, certamente, é uma das melhores atrizes em atividade do cinema nacional. Seu monólogo ainda ressoa. Vitor Camilo, Clara Choveaux (soberba), Alex Bonini completam o elenco estrelar.

O filme ainda ecoa e se sustenta por sua importância e necessidade. O HIV/AIDS sempre foi vista como “doença de gay”, quando em dias atuais quem mais se infecta são os considerados heterossexuais, segundo artigo publicado pela Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca/Fiocruz. Mas estes soldados de ontem e hoje ainda são estigmatizados, negligenciados e colocados como subcategoria social, porém, a luta é continua e como verbaliza Rose, “A GENTE SOBREVIVE SENDO LINDA”, assim, em maiúsculo.

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