Há alguns anos, o astro Will Smith explicou o motivo de ter recusado o papel de protagonista no sucesso Django Livre (2012), de Quentin Tarantino. A estrela afirmou que “o único jeito de fazê-lo seria se fosse uma história de amor, não de vingança”. Bem, aparentemente, ele não devia ter visto os outros filmes do Tarantino… Mas ali o ator expôs sua visão de trabalho. Acima de tudo, ele quer que seus filmes tenham uma mensagem positiva e que ele também seja visto na tela como uma figura positiva.

Mesmo em Eu Sou a Lenda (2007), sozinho no mundo destruído por um vírus e tomado por criaturas, ele ainda lutava para “iluminar a escuridão”. Em Esquadrão Suicida (2016), Smith fez o vilão mais bonzinho do Universo DC. Por causa disso, alguns dos seus filmes até adquirem um ar de lição de autoajuda como foi o caso do sucesso À Procura da Felicidade (2006), que era legitimamente um bom filme; ou de Beleza Oculta (2016), longa apenas brega e ridículo. Enfim, Will Smith é um bom sujeito. Quem vai ver um filme dele hoje já sabe mais ou menos o que esperar: ele será uma figura justa ou que, ao menos, luta por uma boa causa e ocasionalmente o espectador vai se emocionar com uma lição de vida.

Em King Richard: Criando Campeãs, Smith faz o papel de Richard Williams, pai das futuras campeãs do tênis Venus e Serena. O filme do diretor Reinaldo Marcus Green conta a vida e a trajetória da família e o papel de Richard na formação e na carreira das filhas. A produção já começa com o personagem-título distribuindo folhetos sobre elas nos ricos clubes de tênis californianos, tentando arrumar um treinador ou investidor para as meninas. Como não sentir empatia pelo sujeito? Ainda mais com o carisma natural de Smith energizando-o?

King Richard: Criando Campeãs vai do começo dos anos 1990 até o período em que a carreira meteórica das irmãs Williams – interpretadas por Saniyya Sidney e Demi Singleton – se inicia. Nesse período, o drama todo provém da maneira com que Richard conduz a família e os primeiros passos das irmãs no mundo do tênis. No começo, quando o vemos treinar com as filhas e pregando na quadra um cartaz com a frase “Se você fracassa em planejar, planeje-se para o fracasso”, nota-se que já estamos de novo no território da autoajuda.

NUANCES RARAS 

Nesse sentido, King Richard é um filme biográfico hollywoodiano bem tradicional. É uma história de triunfo, afinal, Hollywood não se interessa muito em contar narrativas de fracasso. Ainda por cima as irmãs Williams são produtoras-executivas, então, dá para se ter ideia do tom da obra. Ainda assim, a narrativa do filme trabalha com umas temáticas bem interessantes: a questão racial pesa muito sobre a caracterização de Richard, afinal, ele se esforça para obter sucesso em um esporte de gente branca. Além disso, o melhor segmento do filme é o seu meio, quando o protagonista é questionado: seu “plano” para o sucesso das filhas começa a afetar a todos ao seu redor e até mesmo a retardar a carreira esportiva das garotas.

É nesse trecho do filme que Smith mais brilha, introduzindo na sua atuação algumas nuances interessantes. Mesmo com o roteiro de Zach Baylin se mantendo fiel às facilitações e clichês do filme de esporte, o ator encontra espaço para mostrar um pouco de vulnerabilidade dentro do seu personagem maior que a vida, e um pouco de autorreflexão dentro de um homem que não aceita a opinião de ninguém além da sua.

Em um momento raro da carreira, Will Smith arrisca interpretar um sujeito que não é tão legal nem agradável. Não consegue de fato, porque é o Will Smith, um dos sujeitos mais carismáticos de Hollywood, hoje. Mas é dessa tensão que surgem as melhores cenas de King Richard e consolidam o filme como um dos melhores trabalhos de atuação da carreira do astro.

FEEL GOOD MOVIE CLÁSSICO

Pena que lá pelo final do filme, o tom de autoajuda e os clichês voltam à tona. Aparecem imagens reais de Richard Williams treinando as filhas e dizendo que “já sabia que elas seriam campeãs, era o destino” e coisa e tal. King Richard acaba sendo o que se chama em inglês de “feel good movie”, aquele tipo de produção edificante que agrada e proporciona diversão e uma história inspiradora para a plateia.

Um filme feito para o público se sentir bem. Como tal, é bem conduzido, simpático e honesto. As cenas de tênis não são exatamente emocionantes, e as 2h24 de duração são excessivas, mas as atuações compensam: Fora Smith, Aunjanue Ellis rouba algumas cenas como Brandy, esposa de Richard e matriarca da família.

Acima de tudo, King Richard comprova que, como ator, Will Smith tem uma filosofia. Ela pode limitá-lo em algumas ocasiões e nem dar certo em outras, mas quem sou eu para dizer que essa filosofia, esse “plano”, não está funcionando?

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