Ferida, estrelado e dirigido pela atriz Halle Berry – marcando sua estreia como diretora – é um filme igual à sua protagonista: sincero, mas errático; intenso, mas também disperso. A produção da Netflix busca contar um drama humano dentro do universo do MMA e, com certeza, ainda há muito que explorar no contexto da luta feminina no esporte. Porém, apesar de todas as boas intenções, é uma obra limitada.

Nele, Berry interpreta Jacqueline, uma lutadora de MMA conhecida como Jackie Justice. Logo na primeira cena do filme, a vemos perdendo uma luta importantíssima – bem, mais ou menos, porque a escolha de mostrar boa parte desta luta com a câmera adotando o ponto de vista em primeira pessoa da Jackie machucada atrapalha a compreensão deste momento.

Assim, ela passa quatro anos afastada do octógono, trabalhando como empregada doméstica. Então surge em seu caminho uma chance de retomar a carreira e, para adicionar às complicações de sua vida, ela se vê também forçada a cuidar do  filho pequeno (vivido por Danny Boyd), que teve com um antigo namorado e a quem não via há anos.

ENTRE EXTREMOS

Desde o início de “Ferida” se sente – apesar da nebulosa cena de luta na abertura – a intensidade que Berry tentou imprimir à história. A câmera está sempre na mão e todas as atuações do elenco e aspectos visuais possuem um tom naturalista. Porém, essa intensidade em alguns momentos se transforma em melodrama exagerado: nos primeiros minutos do filme, já vemos várias desgraças e problemas se empilhando sobre a cabeça da protagonista.

Elementos como o relacionamento ruim entre Jackie e a mãe (Adriane Lenox) também são apenas esboçados e nunca desenvolvidos de fato – até um abuso relatado por Jackie à mãe parece apenas jogado na história.

Já em outros momentos, o filme busca uma sobriedade, como ao tratar o relacionamento que surge entre Jackie e a sua treinadora, vivida por Sheila Atim. No entanto, algumas cenas que pediam por uma maior intensidade acabam não tendo, como o clímax, que deveria ser um momento especial e vibrante em todo filme esportivo. Aqui, curiosamente, acaba não sendo.

A direção limita o filme, mas o seu principal problema é o roteiro. O texto da estreante Michelle Rosenfarb acaba sendo fiel demais à cartilha do drama esportivo. Algumas cenas parecem saídas direto de Rocky: Um Lutador (1976) ou de suas sequências – Ferida até possui uma sequência de treinamento ao som de uma música e o clímax também busca uma aproximação com o clássico com Sylvester Stallone. O roteiro ainda exagera no didatismo em alguns momentos, como na cena em que a treinadora diz a Jackie que a violência acumulada dentro dela precisava sair de alguma forma – o que já estava claro desde as primeiras cenas para o espectador.

HALLE BERRY ATRIZ SE SAI MELHOR QUE A VERSÃO DIRETORA

Mas se podemos tecer criticas ao roteiro e à Halle Berry diretora, o mesmo não pode ser feito à Halle Berry atriz. Aqui, ela tem um desempenho realmente forte. Percebe-se que “Ferida” foi construído para ela brilhar: os pequenos momentos que vão erguendo o relacionamento entre Jackie e o garotinho, o ataque de pânico que ela sente num banheiro, todos os momentos dramáticos, até o desfecho, tudo em Ferida coloca a atriz em primeiro lugar.

Bem, é praxe astros de Hollywood passarem para o lado de trás das câmeras em projetos feitos para comprovar o quão bons atores e atrizes eles são. Nesse aspecto, o filme até funciona, parcialmente: É o desempenho de Berry que, de vez em quando, consegue superar as deficiências do roteiro e despertar emoções em torno dessa mulher tão maltratada pela vida e que precisa encarar a proverbial “última chance”.

E ao olharmos a trajetória dela até se pode compreender melhor as intenções da estrela com esse projeto. Halle Berry surgiu na década de 1990, atuou em filmes que exploraram a sua beleza física, teve de persistir para ser levada a sério, mostrou boas e más atuações ao longo dos anos, entrou para a história como a primeira negra a vencer o Oscar na categoria de Melhor Atriz com A Última Ceia (2001) e sempre teve de lutar dentro de Hollywood para achar bons papéis e projetos. Ainda assim, geralmente conseguiu fazer papeis de mulheres fortes.

Nesse sentido, ela é uma sobrevivente, como a protagonista de Ferida. Nota-se que ela pôs o coração e a alma no papel de Jackie e no filme. O esforço compensa em alguns momentos do longa, mas nem toda a luta do mundo adianta se o filme, em si, nunca se mostra disposto a arriscar. Na luta contra os clichês, Ferida perde.

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