“Oi, sou Caio Pimenta, do Cine Set, site de cinema lá de Manaus. Posso falar com vocês?”. Imediatamente os olhos da Maitê Antony (à esq na foto de abertura), de apenas 13 anos, brilharam. Protagonista ao lado da irmã caçula do curta “A Fantástica Fábrica de Mel”, ela tinha acabado de receber um troféu de atriz revelação na primeira edição da Mostra de Cinema Galo da Serra, em Presidente Figueiredo. “Fazer o filme foi uma experiência muito legal. Foi a primeira vez em que atuei de verdade; antes era só brincadeira. Depois do curta, eu descobri que quero mesmo ser atriz. É muito incrível”. 

Este encanto e o sonho do cinema existem e resistem em Presidente Figueiredo, mesmo sem o município possuir uma sala de exibição sequer desde quando foi fundada, em 1981. Esta, aliás, é a realidade do interior do Amazonas: atualmente, nenhuma das 61 cidades conta com um cinema em funcionamento. As raras iniciativas – o Cine Kimak, em Manacapuru, e o Cine Theatro Dib Barbosa, em Itacoatiara – não resistiram à pandemia da Covid-19.  

Para piorar, a internet precária dificulta o acesso aos streamings e até a baixar filmes. Resta aos moradores de Presidente Figueiredo – hoje com pouco mais de 35 mil habitantes – apelar para a pirataria, os filmes exibidos na TV ou encarar os 128 km da rodovia BR-174 rumo a Manaus. A capital concentra todas as salas do Estado – ao todo, são 62, sendo apenas uma fora de shoppings – o Casarão de Ideias. 

OFICINAS DE CINEMA EM FIGUEIREDO E BALBINA 

Herman Antony e Heraldo Daniel realizaram as oficinas em Presidente Figueiredo e Balbina.

Dentro deste contexto altamente desfavorável, o diretor Heraldo Daniel (“Raiz dos Males” e “O Clã das Jiboias”) em parceria com o produtor cultural Hermán Antony promoveu oficinas de cinema com foco no meio ambiente, entre 2021 e 2023. A iniciativa contemplada no edital da Lei Aldir Blanc levou conceitos básicos de audiovisual para 80 participantes de todas as idades, sendo duas edições ocorridas em comunidades de Presidente Figueiredo e uma na Vila de Balbina. 

“A nossa ideia era descentralizar o audiovisual, levando o cinema para Presidente Figueiredo e comunidades do interior. As nossas oficinas traziam as concepções do cinema com aulas sobre direção e roteiro, por exemplo, aliado a um conteúdo de preservação ambiental até por conta de estarmos em uma região conhecida pelas cachoeiras e a própria floresta que nos cerca”, disse Heraldo. 

Arqueólogo de formação, Marcos da Silva comandou entrevista durante gravação.

Formado em arqueologia, Marcos da Silva, de 61 anos, foi um dos participantes das oficinas. Segundo ele, a capacidade do cinema em dialogar com as mais diversas áreas do conhecimento o animou estar nas aulas. “Estive na oficina de 2021 e em outro realizada em março de 2023. Aprendi sobre roteiro para organizar as ideias, direção e até cheguei fazer entrevista. Agora, eu tenho um plano, ainda no papel, para realizar um vídeo documentário sobre os morcegos da região, um tema que muito me interessa”, declarou. 

Com os três filmes realizados na oficina prontos e todas as etapas previstas no edital da Lei Aldir Blanc devidamente cumpridas, Heraldo e Hermán entraram em contato com a Secretaria Municipal de Cultura e Eventos (Semculte) da Prefeitura de Presidente Figueiredo. O objetivo era organizar um evento gratuito e aberto para a população da cidade para a exibição destas obras. 

Surgiu assim a I Mostra de Cinema Galo da Serra. 

RECONHECER-SE NA TELA DO CINEMA

Acompanhado da família, Geofran Lopes assistiu ao filme sobre sua vida “O Artesão da Floresta”.

Realizada na noite de sexta-feira, dia 26 de maio, a mostra aconteceu no auditório da Prefeitura e contou com mais de 120 pessoas presentes ao local. O público presente pode conferir sete curtas-metragens, sendo três produzidos na oficina, além de “O Clã das Jiboias”, longa-metragem dirigido por Heraldo Daniel sobre a história do jiu-jitsu na Amazônia. 

As obras traziam Presidente Figueiredo, a Vila de Balbina e toda a região como protagonistas. Desta forma, ao longo da sessão, era possível ouvir pequenos cochichos vindos do público de nítido reconhecimento de lugares e pessoas conhecidas para os moradores da cidade.  

Além disso, com apenas 16 anos, o estudante Victor Samuel Carneiro viu seu curta de pouco mais de um minuto de duração, “Mago ao Cubo”, em que dirige, protagoniza e roteiriza. “Meu sonho é ser diretor de cinema e, participar desses cursos me trouxe muito aprendizado. Caí de cabeça, com todas as forças e energias, e aprendi muito. A escrever roteiro, direção de fotografia, e o meu curta ficou em primeiro lugar”, disse. 

Nenhum integrante da plateia, entretanto, se emocionou mais do que Geofran Lopes. Responsável pelos troféus concedidos aos 18 homenageados do evento (entre eles, este que vos escreve), o artista estava ao lado da esposa, da mãe e do filho pequeno para acompanhar “O Artesão da Floresta”, curta que apresenta o trabalho e as obras dele.  

Com um sorriso no rosto e um ar de certa incredulidade de ser ver na tela, Geofran segurou o celular de forma firme para registrar toda a exibição do curta de seis minutos de duração. Se a mãe dele também olhava para o filme encantada com o que via, a esposa era sorriso de orelha a orelha, exceto, claro, quando o rebento escapava pelo meio do corredor e ela precisava chamá-lo. No fim de “O Artesão da Floresta”, aplausos e uma felicidade para guardar por toda vida. 

DE OLHO NO FUTURO 

Auditório da Prefeitura de Presidente Figueiredo ficou lotado na noite de sexta-feira, 26 de maio.

A oficina e a própria Mostra de Cinema Galo da Serra somente foram possíveis por conta da lei Aldir Blanc, promulgada em 2020 em caráter emergencial por conta da paralisação do setor provocada pela pandemia da Covid-19. Agora, os trabalhos estão voltados para a Lei Paulo Gustavo, a qual deve destinar R$ 340 mil somente para o setor cultural de Presidente Figueiredo. 

O secretário de cultura, Zandem Ferreira falou ao Cine Set que os trâmites para Presidente Figueiredo receber os recursos já estão bem adiantados. Segundo ele, o conselho municipal de cultura foi instalado na véspera da Mostra de Cinema Galo da Serra, inclusive, com uma cadeira voltada para o audiovisual. “Temos uma equipe trabalhando já na Lei Paulo Gustavo e recebemos a informação de que nosso plano de ação foi aprovado pelo Governo Federal. Estamos aguardando o repasse da verba para iniciarmos as discussões sobre os futuros editais em parceria com o conselho”. 

PIPOCA, CINEMA E UM SONHO 

Verônica Urdaneta e o marido durante a I Mostra de Cinema Galo da Serra Presidente Figueiredo

Desta forma, sonhar como uma nova edição da mostra, até mais estruturada, é mais do que possível. Falando em sonho, encerro com a história da Verônica Urdaneta. Venezuela, ela vive com o marido e o filho de 17 anos. Passaram por outras regiões do Brasil até se fixarem em Presidente Figueiredo no ano de 2018. “Mais tranquilo, menos violento e mais perto de casa”, justificou.  

A família possui um carrinho de mão simples em que vende churrasquinho, algodão doce, balões, banana frita e, claro, pipoca. Na noite de 26 de maio, trocaram as praças de Presidente Figueiredo pela Prefeitura, a qual contratou o serviço de Verônica. Durante grande parte da sessão, a plateia recebeu água, refrigerante e pipoca de graça – houve quem até fizesse estoque, pegando 7, 8 pacotes de uma vez só. 

A sessão na mostra fez Verônica relembrar um sonho relacionado a cinema e compartilhado comigo em meio à trabalheira de colocar óleo na panela, abrir um pacote de milho e preparar os saquinhos de pipoca: “Minha casa tem dois andares e há um espaço no segundo piso aberto. Vez ou outra, penso em levantar uma tela e exibir uns filmes para as pessoas, vendendo pipoca para quem fosse lá. Meu marido não acha que vai dar certo, mas, tenho vontade de um dia tentar”, disse. 

Sonhos do lado de cá e de lá da tela de cinema. 

*o repórter viajou a convite da organização da I Mostra de Cinema Galo da Serra.