Documentários políticos têm ganhado força nos últimos anos, com muitas produções querendo ser o novo Citizenfour (2014) e repetir o sucesso e a força deste vencedor do Oscar na categoria. Navalny, do diretor Daniel Roher e disponível na HBO Max, é o novo exemplar da safra: é um ótimo documentário capaz de prende a atenção do público contando uma história tão absurda que só pode ser verdade. Mas é também um filme que deixa a sensação que poderia ser mais criativo, mais diferenciado na abordagem. É como se agora, o documentário político tivesse uma fórmula e esta produção adere a ela à risca.

É um filme sobre um sujeito corajoso: Alexei Navalny, um dos principais opositores a um dos homens mais poderosos – e escrotos – do planeta Terra na atualidade, o presidente russo Vladimir Putin. Navalny é um ativista cujos vídeos são vistos por milhões no YouTube, que passou anos denunciando a corrupção e os desmandos de Putin, e como vários opositores do presidente, acabou sofrendo um atentado: em agosto de 2020, foi envenenado com uma substância desconhecida e quase morreu.

A câmera de Roher é como uma mosquinha na parede, enquanto acompanhamos os esforços de Navalny, sua esposa e colaboradores para descobrir quem o envenenou. Quando descobrem, estamos junto deles, compartilhando do espanto frente à conspiração montada para silenciá-lo em uma cena que espectadores não deverão esquecer. Aliás, é uma conspiração absurda e conduzida por pessoas não muito inteligentes.

Aliás, Roher começa o filme com Navalny falando diretamente à câmera, estabelecendo a conexão entre ele e o espectador. E essa conexão é a grande força do filme, pois como em qualquer filme de suspense, este aqui depende de nos importarmos com o personagem principal. E não se engane, “Navalny”, o documentário, é praticamente um thriller – com momentos de humor absurdo, pois o protagonista demonstra uma visão irônica sobre seus próprios problemas. Roher usa de uma montagem ágil, com imagens de diversas fontes – noticiários, vídeos de celular, e gravações bem próximas dos envolvidos – e uma trilha sonora que sublinha a tensão em diversos momentos.

PADRÃO “CITIZENFOUR” ATIVADO

Este é, paradoxalmente, o aspecto que mais atrai em “Navalny” e o que mais decepciona também, porque hoje em dia esse tipo de enfoque é até comum. Não estou defendendo aqui uma abordagem mais “chata” e careta, apenas argumento que o filme parece seguir uma cartilha que hoje em dia pode-se até considerar como padrão para esse tipo de projeto.

É, em essência, uma estética parecida com Citizenfour e outras produções. E com um protagonista tão interessante, o diretor poderia ousar um pouco mais. Afinal, para seu mérito, o próprio Roher confronta Navalny sobre o passado ao perguntar sobre quando este participou de passeatas de manifestantes nacionalistas e simpatizantes do nazismo. A resposta do entrevistado é ótima, mas se sente que o diretor poderia ter sido mais contundente, mais ousado. Também faz falta nenhuma menção à palavra “Ucrânia” no filme – apesar do documentário se encerrar antes da guerra começar, é claro que o contexto do conflito ajudou o mundo inteiro a perceber a figura de Putin pelo que ela é. A guerra é uma sombra sobre o filme e poderia ter sido trazida à luz de alguma forma, pelo menos.

Claro que o saldo final do filme é muito positivo: o documentário fala de fatos terríveis de uma forma envolvente, e termina numa nota comovente ao enfatizar que a luta deste homem está apenas entrando na sua fase mais difícil. E talvez, para muitos espectadores, a forma do documentário não represente nenhum problema. Porém, para quem acompanha o cinema mais de perto, suas tendências e, porque não, convenções e fórmulas, é um pouco decepcionante ver a produção de um gênero tão importante começar a parecer meio padronizada. Muita gente reclama – com razão – quando filmes de ficção são formulaicos. Não há razão para não fazer o mesmo com produções documentárias.

Ainda assim, é um filme para ser visto, pois o rosto do seu personagem-título e sua trajetória impressionante são coisas para ficar na lembrança.