Duas coisas se destacam em “Jeanne Du Barry”: o retorno de Johnny Depp após a disputa judicial contra Amber Heard e a forma como a diretora Maïwenn (“Meu Rei”) conduz a trama. Não necessariamente esses dois aspectos em evidência sejam positivos, uma vez que o longa até tenta, mas não passa de mais uma história regular sobre a corte francesa no período do absolutismo monárquico. 

Acompanhamos a trajetória de Jeanne Vaubernier, de filha de ninguém até ser a preferida de Luís XV. E é justamente neste ponto que o roteiro, também assinado por Maïwenn em parceria com Teddy Lussi-Modeste e Nicolas Livecchi, se perde na proposta. Isso acontece porque, no primeiro momento, “Jeanne Du Barry” se vende como a história de uma personagem forte, independente e sagaz que não permite que os limites impostos por seu “baixo” nascimento social possam ditar quem ela é.   

Quando Jeanne se muda para Paris, no entanto, toda essa percepção acerca da personagem-título muda, já que ela se torna objetificada — primeiro pela mãe, depois pelo conde Du Barry — e se submete à vontade dos homens da corte que estão ao redor. A personalidade que a trama lhe vende a princípio, torna-se uma mera curiosidade para captar atenção do alto escalão masculino francês.  

Se o que Maïwenn — que, além de roteirizar e dirigir, interpreta Jeanne na vida adulta — pretende realizar é a cinebiografia da última amante do filho do Rei Sol, a ideia é abandonada justamente após a entrada da jovem na corte. Ali, a obra se torna algo entre um drama romântico e um drama histórico. Independente de qual subgênero o filme tendencie mais a seguir, o que temos é uma narrativa regular sobre este relacionamento que nem mesmo as tomadas pelos belíssimos jardins de Versalhes conseguem tirar do trivial.  

ROTEIRO EM CONTRADIÇÃO

Neste percurso, contudo, a fotografia assinada por Laurent Dailland aproveita os recursos que a direção de arte e o período no qual a trama se passa lhe oferecem para dar um tom plástico e pictórico as imagens, utilizando planos abertos e uma iluminação que acentua a ostentação e o rigor estético exigido pela vida em Versalhes. Dessa forma, visualmente, “Jeanne Du Barry” emula a beleza e a grandiosidade que a realeza palaciana reivindicava para si.  

Para construir essa percepção da corte, no entanto, Maïwenn escolhe um caminho dúbio, no qual busca satirizar aquilo que, para época, acentuava o status na corte, porém, na contemporaneidade, é visto como ridículo. “Jeanne Du Barry” não apenas faz piada com os costumes, como na cena em que mostra o despertar matinal do rei ou na forma como as pessoas se retiravam da sua presença para não lhes darem as costas, mas repete essas sacadas a exaustão, a ponto delas perderem a graça. Nesse percurso, o roteiro ironiza a sociedade de aparência por meio da maquiagem, dos figurinos e das intrigas orquestradas pelas filhas de Luís XV, ao mesmo tempo em que tudo isso representa o que Jeanne quer alcançar. Ou seja, debocha de sua própria protagonista.  

O curioso é que, no início da trama, a personagem-título é questionada que tipo de vida gostaria de ter. Sua resposta aponta para uma vida cheia de curiosidade, em que tivesse tempo para ler, para passear, para comer, para viver. Quando poderia ter essa vida, no entanto, o roteiro parece esquecer da declaração, transformando seu sonho e reduzindo a nova busca a algo caricato. Mesmo quando tem oportunidade de dar-lhe novas camadas, “Jeanne Du Barry” não aproveita as possibilidades como o tratamento dado a Zamor (Djibril Djimo), por exemplo.  

DEPP NO AUTOMÁTICO  

Agora que vimos como Maïwenn conduz sua trama, voltemos ao retorno de Johnny Depp. O roteiro constrói seu personagem como um soberano de poucas palavras, compensadas por atitudes decisivas e respeitadas. É preciso dizer, entretanto, que o ator não está em seu melhor momento. Apesar de finalmente ter deixado os vestígios de Jack Sparrow que o acompanharam na última década, Depp está apático.  

“Jeanne Du Barry” foi o filme de abertura da última edição do Festival de Cannes. A escolha é intrigante, uma vez que o filme apresenta uma história regular, com uma montagem fluida, funcionando como drama romântico, mas não como o épico sólido que remonta um período de fortes emoções nacionalistas.