Ah, as novelas! Se tem uma paixão incontestável no Brasil é as telenovelas que seguem firmes e fortes há 60 anos. Verdade seja dita, as tramas açucaradas, densas, tensas e polêmicas nos acompanham ao longo da vida. Toda e em qualquer passagem de nossa breve existência, sempre tem uma telenovela que nos marca em um momento derradeiro, não vale negar! Personagens, trilhas sonoras, moda, comportamento, cunho social e o festival de clichês serão sempre uma doce pedida para boa parte da população brasileira. E para você que está lendo!

A nova série da Amazon Prime simplesmente chamada “Novela” é um festival das mais absurdas ferramentas usadas pelos autores e diretores para prender a atenção do telespectador. Co-produzida junto com a galera da Porta dos Fundos (sim, eles mesmos!), a nova comédia da plataforma é bizarramente interessante muito mais pelo contexto e da zoação que fazem do que o roteiro (um tanto bobo) assim.

Isabel (Mônica Iozzi) é uma aspirante roteirista que ganha a oportunidade em trabalhar em uma grande emissora e conviver com um grande mestre: Lauro Valente (Miguel Falabella). Poré, o que ela não imaginava é que esse gênio da dramaturgia é um picareta de primeira espécie que se apropria das ideias alheias e faz o mesmo com ela. Vingativa, Isabel vai atrás de justiça no dia da estreia da trama. Mas o que ela não imaginava é que seria sugada pela televisão e se tornaria a protagonista da novela (lembraram-se do clássico “Zoando na TV” com Angélica e o próprio Falabella?). E detalhe: o Brasil inteiro está assistindo a trama, deixando Lauro e sua equipe de cabelos em pé e o público nas redes sociais amando esse novo modelo de fazer novelas. Será “Black Mirror”? Questiona Lauro.

Claro, Isabel apronta todas para tentar sair da trama que era sua, mas não é mais e voltar para o mundo real. E, a cada escolha que faz, Lauro escreve uma contrapartida para atingir a sua rival que sempre sabe sair pela tangente. Coisas que as mocinhas românticas das tramas pouco sabem né? Vamos combinar.

Lógico que nessa mirabolante metalinguagem, não poderia faltar o patriarca magnata (Herson Capri), o gêmeo que assume o lugar do outro (Marcelo Antony), o braço direito do magnata (Leandro Vila), o mordomo sabe tudo (Ary França), o mocinho romântico (Caio Menck), a mãe sofrida da mocinha que esconde um grande segredo (Suzy Rêgo), a rival da mocinha (Maria Bopp) e a grande vilã (Yara de Novaes). E nessa trama de metalinguística, os bastidores pegam fogo com os atores, equipe, direção e poderosos tentando compreender o que está acontecendo.

IRONIA COM O UNIVERSO TELEVISIVO

“Novela” não é nada complexa. É divertida e desperta lembranças. Eu, por exemplo, quando pequeno, me perguntava o que os atores faziam quando a novela entrava no comercial ou acabava. Ficavam lá mesmo na caixinha até o dia seguinte? E isso é representado como “limbo”, aqui, fica tudo azulado e paralisado esperando a volta.

Espere também os diversos clichês: o ator metido a besta porque é do teatro, a crise de idade, drogas, roupas com ar intelectual e as artimanhas para agradar ao público e deixar tudo mais fácil – falar sozinho explicando os próximos passos -, os merchans inapropriados, o beijo técnico, o drama à lá mexicana, o figurino extravagante, a passagem de tempo, as diversas reviravoltas e os mortos que sempre voltam. Como Lauro diz: “tanta gente morta voltando isso não é novela espírita”, coisas que Walcyr Carrasco não gostaria de ouvir…

Outra grande sacada é que deixam claro como o público, crítica, publicidade e os empresários escrevem junto com autor, que não tem autonomia alguma se a trama não atinge a expectativa de ibope ou, nos dias de hoje, o engajamento nas redes sociais, deixando os roteiros mais pobres e menos arriscados.

A MAGIA SEMPRE ACONTECE

Tudo em “Novela” é sátira. Não é para ser levado a sério e nem eles querem isso, parece uma grande brincadeira entre amigos. E o elenco deita e rola. Yara de Novaes, de longe, é a melhor em cena como a respeitada atriz de teatro que detesta novelas em crise no casamento e com sua vilã na trama dentro da trama, Chiara. Caio Menck cumpre apenas o papel do galã bonito e canastrão e Iozzi e Falabella, sinto informar, já vi os vi em melhores condições, ambos ligados no piloto automático e isso, na minha visão prejudicou a série que não preza pelo correto. Luana Xavier e Pedro Ottoni cumprem bem as suas funções.

“Novela” é deliciosamente, perigosamente e nitidamente tosca e assume esse papel dos estereótipos que vivemos e convivemos ao longo desses 60 anos. Mas o que seria da gente sem esses absurdos que fazem todo o sentido que os autores colocam no ar? Como diz Glória Perez, “é preciso saber voar” e a gente voa.

No fim, fica a pergunta: “será que existe amor depois do fim da novela?”, questiona a mocinha (Iozzi), o ‘felizes para sempre’ existe, fica congelado, como eu pensava quando pequeno? O que fica? Como ficam?

Ah, meus caros, é tudo televisão, é ali que a magia sempre acontece…

Vamos voar!