Duas meninas asiáticas se conhecem no parquinho de um subúrbio nos Estados Unidos e é amizade a primeira vista. Uma é adotada por uma família branca e a outra é filha de imigrantes chineses. Essa última não tem papas na língua e está disposta a defender a amiguinha. Dessa forma, somos apresentados a “Loucas em Apuros”, filme de estreia de Adele Lim, roteirista de “Podres de Ricos” e “Raya e o Último Dragão”. Apesar do título na melhor vibe Sessão da Tarde nos anos 2000, esse é um filme divertidíssimo e carregado de subtemas contemporâneos, importantes e representativos. 

Embora iniciemos a trama conhecendo Audrey (Ashley Park) e Lolo (Sherry Cola), “Loucas em apuros” embarca em uma jornada em que quatro mulheres com estilos totalmente diferentes vivem uma viagem de muita aventura, trapalhadas, estrepolia e autoconhecimento. A receita, já vista em muitos filmes do mesmo subgênero, dá super certo porque oferece novos pontos de vista aos clichês. 

“Loucas em apuros” bebe das convenções de filmes de comédia que reúnem amigos em viagens como “Se Beber, Não case”, “Missão Madrinha de Casamento”. Aqui, esses estereótipos são muito funcionais, uma vez que ao darem o protagonismo a quatro pessoas com ascendência asiática, oferece um frescor e certo grau de ineditismo a comédias desse naipe, já que estamos falando de mulheres de cor vivenciando experiências em sua cultura e discutindo de forma elegante e engraçada o pensamento de domínio da branquitude neste mesmo cenário. 

TEMAS SÉRIOS DE FORMA LEVE

Adele Lim replica um dos grandes pontos positivos de “Podres de Ricos”: a representatividade. Os quatro atores presentes no desenrolar central da comédia são todes de ascendência asiática e o próprio filme se beneficia ainda de componentes dessa cultura que estão nos trends atualmente como os grupos e músicas K-Pop e o conservadorismo presente nos doramas. É interessante como esses elementos são explorados por personagens diferentes e o quanto eles captam de forma a produzir um humor orgânico e condizente com a realidade, ainda que o “Loucas em Apuros” abrace o absurdo e não se leve tão a sério em muitos momentos. 

Para complementar, o humor que o filme esbanja provém de pontos de vista diferentes do que estamos acostumados a ver em produções norte-americanas. Há brincadeiras  e tiradas específicas da cultura oriental, mas que conseguem ser simultaneamente universais. Eu, por exemplo, me vi sem conseguir segurar a gargalhada em muitos ocasiões. Isso se deve aos dois grupos que Lim e sua equipe de roteiristas apresentam no decorrer da narrativa, embora esteja-se falando de asiáticos, também está se falando do que é ser uma mulher de cor em uma sociedade racista e sexista. E o faz subvertendo momentos de opressão por meio da sororidade e fornecimento de novas formas de quebra de expectativas. 

Sinto que “Loucas em Apuros” aproveita esse terreno para explorar questões como branquitude – expandido a discussão de raça para além da negritude – adoção, identidade e mulheres de cor em posição de poder em um ambiente masculinizado, heteronormativo e branco. O roteiro trata de tudo isso de forma leve, divertida e como escada para plots, como o preconceito entre coreanos e chineses e o fato de norte-americanos só falarem inglês sem se importar em aprender outros idiomas. 

ABSURDO HILÁRIO

Outro ponto que torna “Loucas em Apuros” excelente é a química entre os atores, com destaque para Sabrina Wu*, Sherry Cola e Stephanie Hsu. A última já tinha feito um bom trabalho em “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo”, mas aqui mostra sua versatilidade por meio da veia cômica.

A conexão explosiva na pseudo inimizade entre ela e Cola é o ponto alto do exagero cômico que a trama exige e as duas correspondem de forma satisfatória. Já Wu, emprega um personagem com camadas pueris e uma excentricidade que toca e irrita ao mesmo tempo. 

O resultado dessa imersão é uma produção deliciosa. Adele Lim estreia com o pé direito, entregando um filme hilário, que se leva a sério na medida certa e abraça o absurdo sem perder a compostura.

*Sabrina Wu é uma pessoa não-binária, mas sua personagem é lida como mulher. Por isso, optamos por utilizar o feminino apenas quando se trata da ficção.