Um coquetel de decadência, subversão e líquidos corporais, “Saltburn”, novo filme de Emerald Fennell, mira direto na jugular dos podres de ricos. Exibido no Festival de Londres depois de estrear em Telluride, ele aposta no desbunde e nos hinos indie rock dos anos 2000 para compor um sedutor suspense queer. O resultado é um longa que deve fazer a festa com um ácido senso de humor. 

A produção acompanha Oliver (Barry Keoghan, de “Os Banshees of Inisherin”), tímido estudante da Universidade de Oxford que faz amizade com o popular playboy Felix (Jacob Elordi, da série ‘Euphoria”). Quando Felix o convida para passar o verão com sua família após a graduação, Oliver entra em um mundo privilegiado e amoral onde sua obsessão pelo amigo se torna perigosamente imprevisível. 

Na superfície, “Saltburn” tem afinidade com os tradicionais dramas ingleses ambientados em mansões, como “Retorno a Howards End”. Porém, o filme se foca em desconstruir a fachada social dos habitantes desses locais, dialogando mais com o cinema do subversivo diretor Joseph Losey do que com o da pomposa produtora Merchant-Ivory. 

No roteiro, escrito por Fennell, todos – inclusive seu protagonista – são desprezíveis. A trama, a despeito de um epílogo arrastado, vibra com excelentes atuações (a rude matriarca sem noção interpretada por Rosamund Pike é irresistível!) – e com múltiplos conflitos que expõem as hipocrisias das relações de classe. 

PASOLINI E A LUTA DE CLASSES 

De fato, classe é a maior preocupação do filme, servindo como base de seu principal conflito. É a inadequação de Oliver enquanto bolsista entre os riquinhos de Oxford que o torna impopular e o coloca no radar de Felix, por exemplo. E uma vez na mansão, Oliver é tratado como um exótico bicho de estimação por conta de sua origem, o que cega a família para a gradual desestabilização de seu estilo de vida. 

Essa desestabilização vem em parte através de uma série de seduções que fazem os envolvidos esquecerem seus papéis sociais. Elas também apela para o que atrai e repele a plateia – muitas vezes simultaneamente, como na já icônica cena da banheira. Se “Parasita” reimaginou a luta de classes como um suspense hitchcockiano, “Saltburn” o faz através da lente de Pier Paolo Pasolini. 
 
O cineasta italiano é um forte ponto de referência aqui, especialmente na forte carga sexual da trama. No roteiro, escrito por Fennell, o aspecto queer não é um detalhe, mas peça-chave: afinal, uma atração potencialmente vista com ressalvas pelos outros (como a de Oliver por Felix) é exatamente o tipo que tende a ser sublimada e nutrir o tipo de obsessão que leva pessoas às últimas consequências. 

Um conflito desses poderia se passar em qualquer época, mas Fennell muito habilmente o coloca no meio dos anos 2000. Além de dar a oportunidade à diretora de compor uma nostálgica e impecável trilha sonora (com direito a “Mr Brightside” do The Killers e “This Modern Love” do Bloc Party), esse momento precede a über-exposição pública da vida da elite com o advento da rede social Instagram. 

Isso reforça a sensação de proibido que torna “Saltburn” tão delicioso. Muito provavelmente Oliver (e logo, o público) não deveria ver o que se passa na mansão, mas uma vez visto, não há como negar a atração.