Está confirmado: é o ano do thriller policial no cinema brasileiro. Só no primeiro semestre de 2022, tivemos “Águas Selvagens”, “A Suspeita” e agora este “As Verdades”, sem dúvidas o mais regular entre todos dessa leva.

A trama tem início com a volta do delegado Josué (Lázaro Ramos) a uma cidadezinha litorânea na Bahia, onde ele teve um amor de carnaval com Francisca (Bianca Bin) anos antes. Qual não é sua surpresa quando se depara com uma aparente tentativa de homicídio do prefeito local (Zé Carlos Machado), com o qual Francisca está intimamente envolvida.

O que se desenvolve a partir daí é uma construção narrativa à la “Rashomon”, na qual uma mesma história – no caso, a tentativa de assassinato – é recontada a partir de pontos-de-vista cambiantes. O título “As Verdades”, portanto, não deixa de soar um tanto quanto óbvio, nesse sentido – a mão do time de realizadores se faz sentir pesada demais.

É um problema que também assola o filme em outros aspectos, como nos momentos em que o longa para e abre espaço para alguma frase de efeito; em certa cena, por exemplo, perguntam a Josué se ele tem fé, ao que ele responde que “Muito crime foi cometido em nome da fé”. É como se o filme buscasse desesperadamente se escorar em alguma pretensão temática, tentando a sorte com todas essas ideias vagas que nunca chega a construir direito: há um flerte com a temática do “ser humano como bicho”, bem como uma tentativa de dizer algo sobre as nossas memórias, que se mostram como tentativas pueris de dizer coisas sérias e graves.

Sangue e suor

Desnecessário, porque achei muito mais produtivo me perder em pequenos prazeres oferecidos pelo filme, como a comparação entre a fotografia digital deste longa e a do asséptico “Águas Selvagens”. A imagem digital tem a tendência em deixar tudo homogêneo com nitidez cristalina, tão sufocante em sua limpidez. O melhor uso da fotografia digital se dá quando a especificidade desse meio – essa sensação de uma quase hiper-realidade – é explorada ao máximo: planos abertos em que tudo está em foco, em que cada detalhe dos objetos e do espaço é intimamente nítido, até mesmo em baixa luminosidade.

Não, não estamos aqui diante de um trabalho digital inovador como o de um, digamos Michael Mann da vida, mas o diretor José Eduardo Belmonte e seu fotógrafo Marcelo Corpanni frequentemente enchem seus quadros de brilhos e texturas, como forma de criar um contraponto à possível lisura digital: o brilho de uma fantasia ou de uma pele melada de suor, a fumaça de um cigarro, as feridas de um rosto em carne-viva, a gordura e os arranhões de um vidro. A sequência inicial no carnaval é um bom exemplo do que tento ilustrar, mas também achei as tomadas aéreas de drone estranhamente belas. Aquele terreno poroso, de vegetação escassa e formas áridas nos chega como quase alienígena quando visto de cima – como um mapa que, de tão real, ameaça se tornar abstrato.

Elenco estelar

E se, por um lado, o filme se perde em suas pretensões dramáticas nunca alcançadas, o elenco, por outro, é uniformemente formidável. Lázaro Ramos, em performance central neste que é, no fundo, um noir calorento e poeirento, não tem dificuldades em encarnar o “tipo forte e silencioso” (como dizia Tony Soprano); já Bianca Bin alterna habilmente entre a possível femme fatale provocante e a jovem agredida e vulnerável; Edvana Carvalho transparece a amargura da policial Sâmira após passar décadas num mundo masculino; e Drica Moraes como Amara, mãe da jovem Francisca, consegue vender absolutamente qualquer emoção a que se propõe sem o menor embaraço.

Ancorado pelas performances de seu elenco extremamente capaz, “As Verdades” é um thriller competente que, se não empolga, pelo menos instiga o suficiente para que o espectador mantenha o interesse até o final.

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