“Grupo de jovens vai a um lugar isolado e começa a ser morto, um a um, por um assassino misterioso”. Quantos filmes já não vimos usando essa fórmula, não é mesmo? É a base do subgênero slasher, aquele filme de terror de matança, cujo caso mais popular é o bom e velho Sexta-Feira 13 (1980). Porém, X: A Marca da Morte, novo trabalho do diretor Ti West e novo terror da produtora A24, pega esse conceito tão batido e o inova ao fazer uma coisa simples: trazer para o primeiro plano algo que é um conceito essencial do filme slasher e que muitas vezes fica só na superfície, apenas para chamar a atenção do público, ou no subtexto – a conexão entre sexo e morte dentro desse tipo de filme.

Em X, os jovens que vão até onde Judas perdeu as botas e começam a se dar mal são… um grupo de cineastas amadores, que, em 1979, estão em uma fazenda no interior texano para gravar um longa pornô chamado “A Filha do Fazendeiro”. Os personagens são bem arquetípicos, tanto do pornô quanto do slasher: temos o “macho alfa”, a gostosona e também a final girl, aquela figura feminina que, no clímax da história, encara o antagonista; é possível identificá-los rapidamente, como em todo bom slasher.

Essa final girl é a protagonista, a stripper Maxine, vivida por Mia Goth, que sonha em virar uma grande estrela e acredita nesse filme como o caminho para alcançar esse objetivo. É necessário dizer que, para o contexto da época, com o mercado de home video aquecendo, esse objetivo dela é até bem plausível… Ou seja, esses jovens são, para usar o termo moderno, cineastas “visionários”.

AS REFERÊNCIAS DE UM DIRETOR CINÉFILO

Na sua primeira metade, “X” funciona como uma pequena carta de amor ao cinema independente. Acompanhamos o trabalho de bastidores do longa pornô, vemos a gravação das transas entre os atores e o clima é quase de uma comédia. Nesse trecho, porém, West planta as sementes do que virá na segunda, mostrando aos poucos o isolamento e a estranheza do local onde os personagens estão.

Já na segunda metade começa o banho de sangue, cujas surpresas e viradas da trama não devem ser estragadas para o espectador – é o tipo de filme que é melhor assistir sabendo o mínimo possível sobre ele. Mas é válido dizer que Ti West, típico cineasta cinéfilo, realiza com sucesso a transição de Boogie Nights (1997) para O Massacre da Serra Elétrica (1974), colocando de modo orgânico referências aqui e ali para os fãs de terror. O longa clássico de Tobe Hooper que apresentou o Leatherface ao mundo é, claro, a planta-base e o que é mais reverenciado, mas há espaço até para uma divertida citação a outro trabalho de Hooper, o divertido trash Devorado Vivo (1976).

West é também conhecedor do gênero terror e gosta de se apropriar de algumas das suas narrativas, incluindo nelas toques pessoais. Foi assim com o filme de satanismo em House of the Devil (2009), com o filme de casa assombrada em Hotel da Morte (2011) e com o found-footage, o falso documentário, em O Último Sacramento (2013), todos bons trabalhos. Mas X é o seu melhor até agora, o mais redondo e criativo, e no qual a encenação está mais refinada. O diretor – também autor do roteiro – encena algumas revelações inspiradas com a câmera e capricha nos momentos de estranheza, em algumas cenas que acabam sendo mesmo incômodas. E o bom terror sabe incomodar…

SUBVERSÃO DE PADRÕES

E é curiosa a forma como o filme aborda a conexão entre sexo e morte. Ora, em muitos slashers é o sexo ou algum tipo de componente sexual que desperta o assassino e o faz agir com o moralismo também sendo parte do subgênero. Afinal, a final girl geralmente era pura e boazinha, enquanto as amigas que usavam drogas e transavam loucamente eram punidas pelo vilão da história.

Em X, West subverte esse padrão, afinal não há “virgens” entre os personagens. É a repressão sexual por parte dos antagonistas, o tesão incapaz de ser satisfeito que desencadeia as mortes. Há também um olhar sobre o confronto entre juventude e velhice na obra, que o diretor torna mais forte ao escalar Goth para fazer também a velha da fazenda, sob uma ótima maquiagem – aliás, o trabalho da atriz é admirável nos dois papéis, e “X” até inclui uma pequena homenagem à sua memorável participação no remake de Suspiria (2018) há alguns anos.

Tudo isso temperado com instantes de humor sarcástico que ajudam a obra a ter um frescor e não parecer apenas um mero repeteco do que já vimos. Ti West não é um “desconstrutor” de gêneros, mas os conhece e os respeita, sabendo onde inovar e quando ser mais tradicionalista. “X” não reinventa nenhuma roda, mas é tão bem articulado e divertido de ver que não consegue deixar de trazer um sorriso demente ao rosto de qualquer fã do terror em várias das suas cenas. É mais uma prova de que não existe conceito batido no cinema, o importante é o que cineastas conseguem fazer com ele.

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