A despeito da ameaça atual do “conteúdo infinito” do streaming, o cinema segue firme e forte. Apesar disso, há certa verdade em dizer que não se fazem mais filmes como antigamente. “Os Rejeitados”, novo longa de Alexander Payne, vem corrigir isso: exibido no Festival de Londres depois de a estreia em Telluride, a produção é uma homenagem sensível e entusiástica ao cinema americano dos anos 1970. 

É nessa década que Paul (Paul Giamatti) acaba obrigado a supervisionar alunos do internato onde leciona que não puderam voltar para casa durante o recesso de Natal. Ranzinza e amarga, a personalidade de Paul bate de frente com a de Angus (o estreante Dominic Sessa), um estudante em crise por conta de problemas familiares. Isolados juntos, eles se veem tendo que se entender da melhor forma possível. 

VIÉS NOSTÁLGICO 

O charme de “Os Rejeitados” está em ser, de certa forma, três filmes em um: é, ao mesmo tempo, uma comédia de dupla inusitada, um filme natalino, e – em sua segunda metade – um road movie. Ele combina o fator “feel good” desses gêneros com o humor seco e ácido característico de Payne e uma boa dose de nostalgia. 

Uma das razões pelas quais “Os Rejeitados” tem um claro viés nostálgico é a dedicação na reconstrução do período no qual se passa. Colaborando com o diretor de fotografia Eigil Bryld e o montador Kevin Tent, Alexander Payne entrega um longa que poderia ter sido lançado na época, com seus zooms dramáticos e cores mudas. A reverência aos anos 1970 aqui é similar à de “O Artista” aos anos 1920, por exemplo. 

REFLEXOS DE UMA ÉPOCA 

Outra razão é o foco em personagens falhos atravessando uma era de grandes conflitos sociais e geracionais. O duelo de forças entre Paul e Angus reflete a raiva e o desencanto que os Estados Unidos viviam na época. Esses sentimentos ganhariam uma dimensão política nos anos seguintes, com o escândalo Watergate, a desintegração do sonho hippie e a ressaca moral da Guerra do Vietnã. 

O roteiro de David Hemingson – sabiamente – não é explícito sobre nada disso, deixando os dramas de seus personagens falarem mais sobre esses temas do que qualquer discurso. A história de Paul representa o fracasso da honestidade americano, com um episódio particular tirando sua vida e carreira do eixo. Já Angus encarna o questionamento de autoridade que marcou a época. 

No meio dos dois, a cozinheira Mary (Da’Vine Joy Randolph) age como uma ponte e entrega outro lado da história: um longe dos privilégios do dinheiro e do mundo acadêmico, baseado no trabalho duro e na dor de perder um filho na guerra. O trio de Giamatti, Randolph e Sessa carrega o filme com louvor – e é muito provável que os dois primeiros merecidamente emplaquem indicações no Oscar do ano que vem. 

Payne já mencionou em entrevistas não ver “Os Rejeitados” como um filme confortável ou natalino, mas inegável que assisti-lo aquece o coração. O longa é leve e narrativamente tradicional, mas não vê nisso uma razão para não entregar um drama inteligente. Emocionante à moda antiga.