Em 1985, Priscilla Presley resolveu contar seu lado da história no livro “Elvis e Eu”, escrito em parceria com Sandra Harmon. A obra chegou a ser adaptada para a TV e, quase quatro décadas depois, o livro ganha o tratamento cinematográfico, pelas mãos de Sofia Coppola. 

A diretora e roteirista tem uma obra quase toda focada na adolescência e na juventude femininas, com filmes como “As Virgens Suicidas”, “Encontros e Desencontros”, “Maria Antonieta”, “Um Lugar Qualquer” e “The Bling Ring – A Gangue de Hollywood”. Outro tema bem comum ao seu trabalho e que pode ser observado nestes filmes é a notoriedade ou a fama (ou até mesmo a infâmia).  

Pensando bem, não teria como outra pessoa contar a história da jovem que viveu dos 14 aos 28 anos junto ao Rei do Rock. “Priscilla” foi lançado sob elogios no Festival de Veneza, com direito a prêmio de Melhor Atriz para Cailee Spaeny, que dá vida a menina que, no futuro, viraria atriz e empresária. 

É um trabalho com aval de Priscilla, como Sofia e Cailee mesma contam. As duas estão agora em uma maratona de entrevistas para divulgar o filme, e, recentemente, o Cine Set teve a oportunidade de uma coletiva na qual elas falaram sobre o processo de filmagem e a relação com a mulher que inspirou o filme, entre outros assuntos. 

Sofia, por que escolheu “Priscilla” para ser seu oitavo filme como diretora? 

Sofia Coppola – Eu li o livro de memórias de Priscilla Presley, e não esperava que fosse me envolver tanto com a história. Me surpreendeu porque percebi o quão pouco sabia sobre ela. Eu me comovi muito com a história e me conectei com a forma que ela descreveu tudo o que passou, de ser uma menina e se tornar uma mulher independente depois de circunstâncias tão diferentes. Eu não fazia ideia de que ela ainda estava na escola, já morando em Graceland. Senti que a história falava muito sobre as mulheres da geração da minha mãe, e algo que todas as garotas passam, mas de uma forma muito única. Resolvi, então, mergulhar naquele mundo sessentista e folclórico de Graceland. 

Cailee, quando você leu pela primeira vez o roteiro escrito pela Sofia, o que chamou a atenção sobre a história da Priscilla? 

Cailee Spaeny – Cresci em uma família que amava Elvis. A gente ia sempre a Graceland. Ele fez parte da minha infância. Obviamente, eu sabia que a Priscilla tinha sido casada com ele e eu já tinha visto as fotos icônicas (dos dois), mas não sabia do lado dela da história. Por isso, foi uma história muito incrível de investigar e de contar. Eu acho que já devíamos ter contado o lado dela da história. E a forma como a Sofia escreveu o roteiro, era tão visual, dava para sentir o ambiente. Cresci com os filmes da Sofia e com a forma como ela toca essas histórias de jovens garotas, que eu acho que é tão raro de se ver no cinema hoje em dia. Ela sempre acha um retrato verdadeiro de meninas adolescentes, então estava muito empolgada de contar essa história, que nunca tinha sido contada, e com essa diretora. Não consigo imaginar outra pessoa contando essa história. 

O livro saiu em 1985, e o filme começou a ser produzido em 2022. Na sua colaboração com a Priscilla Presley, como todo esse tempo (entre 1985 e 2022) contribuiu na construção da história? 

Sofia Coppola – Eu fiquei muito feliz de poder ter acesso à Priscilla e também pelo fato de que ela se mostrou aberta a reviver aquela era. Ela conta a história com riqueza de detalhes, e dá muito contexto. E quanto a mim, dirigir esse filme neste estágio da minha vida… Eu sinto que já adquiri a experiência de fazer filmes, então sentia que eu sabia como (fazer “Priscilla”). Você vai descobrindo (como fazer) à medida em que as coisas acontecem. É sempre um desafio. Você nunca sabe realmente o que está fazendo. Mas senti que era uma história que se relacionava com o trabalho que me interessa, com a ideia da busca pela própria identidade, que é algo que sempre me atrai. E também hoje eu sou mãe de adolescentes, então consegui ver a história por mais de uma perspectiva, já que também olho para o lado dos pais, como eles deixaram ela morar em Graceland e toda a tensão que isso trouxe para a família. 

Cailee, você está em todas as cenas do filme, e a sua personagem vai dos 14 aos 28 anos. Como foi para você vivenciar todo esse arco dramático e toda essa transformação? Como Sofia te ajudou nesse processo? 

Cailee Spaeny – Acho que um dos maiores desafios foi fazer todas as idades soarem verdadeiras. E aí você faz tudo o que pode para mapear as escolhas para diferenciar cada fase. Nós filmamos tudo em 30 dias e com as cenas fora de ordem, logo, fui tentando encontrar coisas pelo caminho que pudessem me ancorar. Tivemos equipes incríveis de figurino, cabelo e maquiagem, que fizeram muita pesquisa e colocaram muito amor para ajudar a contar essa história. Isso foi determinante para que conseguisse me colocar em cada idade e também em onde ela estava emocionalmente. Nos filmes da Sofia, todo mundo traz o seu melhor. Ela cria um ambiente tão colaborativo e tem uma presença tão calma, que isso também ajuda quando se tem um desafio desse porte. Eu tive muita sorte nesse sentido. Estive rodeada de artistas que colocam tanta dedicação, amor e atenção nos detalhes do que fazem. Isso foi muito importante para que eu construísse esse trabalho. 

Que tipo de preparação você fez para o papel? Por onde você começou? 

Cailee Spaeny – O primeiro passo foi ler o livro, depois o roteiro e escrever os meus questionamentos. Pude conhecer a Priscilla. Eu não queria que ela se sentisse como se estivesse sendo entrevistada por mim. Meu intuito era que (as minhas dúvidas) aparecessem naturalmente (na conversa). Ela lembrava de memórias específicas (com o Elvis), e foi muito especial ver como ela conta, com detalhes, e também sentir a presença dessa mulher que viveu toda uma vida. Os olhos dela brilhavam quando contava sobre determinados momentos e ria como se fosse uma piada interna dela e do Elvis. Foram pequenas peças que me ajudaram a montar um quebra-cabeça gigante. Ela é uma mulher fascinante e muito elegante na forma como se apresenta, com a fala mansa, mas também tem uma ferocidade e é muito protetora. 

Como foi a colaboração com a Priscilla para que o filme acontecesse? 

Sofia Coppola – Eu falei muito com ela quando comecei o projeto e, à medida que ia trabalhando no roteiro, eu fazia periodicamente algumas perguntas a ela, para preencher as lacunas da história. Lemos o roteiro juntas. Os detalhes que ela deu me ajudaram a dar vida ao roteiro. Um exemplo disso foi a cena do cinema, em que o Elvis está repetindo as falas do Humphrey Bogart e falando sobre Marlon Brando. Acho que esse momento não está no livro, e foi uma história que ela me contou e que considerei muito importante de incluir no roteiro, porque fala demais sobre as frustrações dele enquanto artista, de querer ser um ator sério. Os relatos dela, de como não conseguiu se aproximar de nenhuma das esposas dos membros da Máfia de Memphis, e como isso representam o isolamento dela e a pressão que sentia para ser esse ideal de mulher. 

Como foi para vocês a primeira vez que mostraram o filme para Priscilla? 

Sofia Coppola – Foi assustador (risos). 

Cailee Spaeny – Eu esperei para assistir ao filme. É muito estranho se assistir por duas horas em uma tela grande. Eu queria ver o filme, mas estava muito nervosa. Lembro de perguntar a Sofia: “Devo assistir (no Festival de) Veneza?”, e ela disse que sim. Eu sentei e assisti, com a Priscilla sentada do meu lado durante toda a sessão. Ter a pessoa que você interpreta te assistindo, do seu lado, tem toda uma outra camada. Foi muito intenso. Mas o filme teve uma recepção positiva, e ela ficou muito comovida. 

Sofia Coppola – Eu me senti orgulhosa. Foi um alívio. Eu mostrei (para Priscilla) um corte anterior e fiquei bem aliviada quando ela disse que Cailee mostrou o que estava sentindo. Foi bem emocionante ter essa experiência. 

Como foi o primeiro encontro entre vocês duas (Cailee e Sofia) para discutir o filme? 

Cailee Spaeny – Como eu disse antes, por ter crescido assistido aos filmes da Sofia, eu estava bem nervosa. Me ligaram dizendo que ela queria me encontrar, tomar um café comigo, mas nenhuma informação (além disso). Tivemos uma conversa agradável. 

Sofia Coppola – Você não sabia qual era o papel, e eu puxei meu iPad e comecei a mostrar fotos. Eu tinha essas fotos da Priscilla que queria mostrar pra ela, porque sempre preciso de referências visuais para explicar o que tenho em mente. 

O Jacob Elordi entrega uma interpretação bem diferente das que já vimos, incluindo o filme do Baz Luhrmann, que saiu no ano passado. Cailee, como foi a primeira vez que você o viu? 

Cailee Spaeny – Eu era fã do trabalho dele, então estava interessada no que ele ia trazer para o papel. Mandei uma mensagem para o Jacob assim que eu soube que ele tinha conseguido o papel, e a gente se viu algumas vezes. Queria entender quem ele era e eu queria que a gente se sentisse confortável em cena. Ele fez muita pesquisa, e tem um carisma natural, e é muito aberto emocionalmente. Sabia que podia confiar nele todos os dias, e que ele sempre teria uma ideia nova. Em boa parte desse filme, eu estou reagindo às ações dele, então era importante ter essa confiança entre a gente. Ele é um ator muito generoso. 

Sofia, como você e Jacob trabalharam para andar nessa linha entre o charme de Elvis e todos os problemas que ele tinha? 

Sofia Coppola – Para mim, era muito importante seguir a perspectiva que a Priscilla coloca em seu livro, de mostrá-lo como um ser humano. Ele é uma figura quase que divina na nossa cultura, e (no livro) ela fala de como ele era, do quão vulnerável ele era e de como eles eram dentro de casa. Foi muito interessante andar pelos altos e baixos do que ela passou e mostrar o charme, mas também o lado mais sombrio de Elvis, e o complexo relacionamento que eles tinham. Mas também era importante que ele nunca fosse vilanizado, que a gente o veja como um ser humano, que tinha uma luta interna, e que, a partir disso, entenda a história dela. 

Há algum momento em particular neste filme que se destaca para vocês na forma como nos transporta para o que Priscilla estava vivendo? 

Sofia Coppola – Começar o filme com os pés dela afundando no tapete, eu espero que cause esse entendimento de que vamos viver essa experiência pelos sapatos e pelos olhos dela. Lembro de uma parte no livro em que ela fala de quando ia para a escola católica de manhã após passar a noite farreando com o Elvis. E ela se pergunta como vai explicar para as freiras que está escolhendo que arma de fogo combina mais com que vestido. No filme, temos uma cena dela com as armas. São momentos como esse que mostram os contrastes loucos da vida dela. Um momento favorito meu é a cena dela colocando os cílios postiços antes de ter a filha, porque isso diz muito sobre ela e sobre as mulheres daquela época, e essa ideia de glamour exagerado das mulheres daquele tempo. 

Cailee Spaeny – Os cílios postiços antes do parto dizem muito. Eu também amo o momento em que ela vai se mudar para Graceland e ela senta em todas as cadeiras. 

Sofia Coppola (falando para Cailee) – Eu adoro como você senta no sofá, como se ela estivesse treinando como seria ser a dama na casa. Eu adoro esses momentos, e você os fez muito bem. 

Teve uma cena específica que gostou mais de filmar? 

Cailee Spaeny – Acho que, em todos os momentos que Elvis e Priscilla estavam se divertindo, a gente também estava se divertindo. Andar nos carrinhos de golfe à meia-noite, a cena na festa da piscina, a do beijo com os fogos de artifício. Todos esses momentos foram genuinamente divertidos de filmar. 

–> ALERTA: LEVE SPOILER ABAIXO

A trilha sonora é uma parte chave de “Priscilla”, assim como é de todos os seus filmes. Em relação à última cena, por que a escolha de “I Will Always Love You”, de Dolly Parton? 

Sofia Coppola – Eu pensei nessa música enquanto escrevia o roteiro. Soube que eles amavam essa canção e que Elvis a cantava para Priscilla. Então, eu a escutava enquanto escrevia a parte final. Pensei que é uma música que carrega muita emoção, e adoraria ouvi-la na cena em que ela está dirigindo para fora dos portões de Graceland. Era importante para mim que fosse a voz de uma mulher no final do filme, já que ela está se libertando e tem toda a história de como a Dolly Parton conseguiu ficar com os direitos dessa canção, tem uma história de força ali. É uma canção carregada de emoção, e eu fico feliz que pudemos usá-la no filme. 

Cailee, trabalhar com diretoras como a Sofia e a Zoe Lister-Jones te faz querer ir para trás das câmeras um dia? 

Cailee Spaeny – Eu não sei, talvez. Eu sempre me interessei em produzir. Eu acho que meu cérebro funciona de uma forma que pode levar a isso. Eu não tenho certeza. 

Sofia, você tem quase três décadas de carreira como diretora. O que você aprendeu sobre direção nos seus primeiros filmes, como “As Virgens Suicidas” e “Encontros e Desencontros”, que aplicou neste filme ou em outros mais recentes de sua filmografia? 

Sofia Coppola – Acho que aprendi a trabalhar com o que me atrai e a confiar na minha intuição, porque não tem como saber quem vai se conectar com o seu trabalho. Eu penso que a sua intuição sempre te diz as melhores escolhas a serem feitas. 

“Priscilla” estreia nos cinemas brasileiros em 26 de dezembro.