Ah, o primeiro amor. Tem coisa mais fascinante, impulsiva e intensa que um primeiro amor? É um sentimento que toma conta da alma, da pele. Transborda sensações, energiza e ressignifica o que é viver.  Sempre haverá o antes e depois de um primeiro amor. Em uma (i)maturidade em conflito pela busca em viver essa paixão. Certamente, para quem foi correspondido, um momento lindo e delicado.

E um primeiro amor gay, na Europa (precisamente ao norte da França), em clima de verão, embalado pela nostalgia dos anos 80 e hits daquela época tornam tudo mais interessante. Não, não estou falando de “Me Chame Pelo Seu Nome” (2017), de Luca Guadagnino, mas, sim “Verão de 85”, nova película do veterano diretor francês François Ozon (“Dentro de Casa”, “Potiche – Esposa Troféu”).

Mas as semelhanças param por aí. Há algo de muito mais nebuloso neste verão.

AMANTES DAQUELES AMANTES

A história começa com um tenso Alex (Félix Lefebvre, ótimo). De imediato, sabemos que há algo de muito errado: a tensão paira no ar. Mas o que aconteceu? Contado em flashback, somos convidados a sermos as testemunhas oculares, os cúmplices da paixão avassaladora dos dois jovens amigos, Alex e David (Benjamin Voisin, sensualíssimo).

Os apaixonados são como Yin-Yang: Alex é de origem humilde, tem uma alma mórbida – talvez por sua classe social – introspectivo, tímido e com preocupação em relação ao futuro. David é rico, solar, faz parte daquela atmosfera veraniça, livre e deliciosamente jovem. Porém ambos se completam de alguma forma na descoberta de si e dos seus corpos.

Como já dito, “Verão de 85” é contado em flashback e, na medida em que aos poucos nos tornamos amantes daqueles amantes, as peças do jogo orquestradas por Ozon se encaixam até o momento crucial do filme.

Sai o clima solar, de muita cor, muita vida, romance e paixão (aqui, devemos parabenizar a fotografia excelente, igualmente juvenil, saturada de cores fortes e a direção de arte e figurinos impecáveis na perfeita representação dos anos 80 europeu) e, de repente, vem o drama, as cores se apagam e se torna mais um filme triste no que tange romances LGBTQA+ no cinema.

O VELHO DILEMA DE OZON

Veja bem, não há problemas em dramatizar um romance gay nas telonas. Mas, não pode ser apenas isso. Quantos filmes do gênero que tiveram um final feliz? Ou apenas uma famigerada comédia romântica?

E Ozon usa desse artificio para contar essa história. No primeiro ato, o clima é romântico, divertido, a química dos dois atores transpassa a tela, ainda que saibamos que haverá algo que irá os separar. Depois, vem a tristeza e é aí que ele se perde. A impressão que se tem é que se teve todo o cuidado em um primeiro momento para depois ser algo corrido e não se torna tão crível quando pensamos no filme como um todo. Apesar da ousadia, faltou um olhar mais apurado. Faltou um fechamento mais elaborado, a dificuldade de Ozon em finalizar seus filmes, aliás, é quase que um senso comum, não que o diretor seja ruim, mas falta mais criatividade em sua narrativa, pelo menos, em seus mais recentes filmes.

Na medida em que nos conectamos com essa felicidade do primeiro amor, da sua liberdade. Há a tristeza de um desencontro cruel, um mal-entendido que pode ser fatal. Essa nostalgia dos anos 80, uma lembrança daqueles momentos que nunca vivemos, o frescor de um beijo molhado com paixão, os corpos ardentes em chamas do desejo é um doce deleite que, infelizmente, “Verão de 85” deixa um leve gosto amargo.

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